O divórcio é uma situação que abala de forma intensa e profunda a vida de uma criança, sendo que esta consequência tem mais que ver com a forma como pai e/ou mãe conduzem o seu relacionamento no pós-divórcio do que com a separação em si mesma (Ribeiro, 2007). Os processos de Regulação das Responsabilidades Parentais são muitas vezes palco de disputa, conflito e agressões mútuas entre os pais, onde se utiliza o argumento da guarda dos filhos e se promove a relação com estes como se fossem instrumentos de retaliação e vingança.
A violência doméstica é hoje amplamente reconhecida como um grave problema em matéria de direitos humanos e de saúde pública (Organização Mundial de Saúde [OMS], 2005) e é um fenómeno transversal a toda a sociedade, independentemente da idade, sexo, etnia, orientação sexual, classe social ou localização geográfica (Richards, Letchford & Stratton, 2008).
Segundo a Organização das Nações Unidas [ONU] (2004), a violência doméstica consiste na “violência que ocorre na esfera da vida privada, geralmente entre indivíduos que estão relacionados por consanguinidade ou por intimidade. A violência doméstica pode assumir diferentes tipos de violência, incluindo a física, a psicológica e a sexual”.
A definição de violência doméstica envolve a adoção de comportamentos de agressão, abuso de poder ou omissão, nos quais uma pessoa inflige algum tipo de sofrimento e procura o controlo da outra. A violência doméstica é um grave problema em matéria de direitos humanos e pode ser associada à alienação parental.
A alienação parental define o ato de levar a criança a abandonar o pai ou mãe que é alvo de críticas, através de comportamentos de menosprezo, ódio, com frequentes acusações de abuso sexual, influenciados pelo outro elemento do par parental (Silva, 2011).
Alguns casos de alienação parental ocorrem ainda enquanto os pais vivem em conjunto, sendo, no entanto, mais comuns os que ocorrem no contexto do processo de divórcio ou de separação conflituosa. A alienação resulta da obrigação que um filho sente em desqualificar o pai ou mãe “alienado” e emerge da combinação de uma série de atitudes e comportamentos de crítica de um dos pais em relação ao outro. Os pais alienantes enfrentam o divórcio como uma guerra a vencer a qualquer custo, muitas vezes não estando conscientes das consequências deste combate na saúde emocional do filho. Os filhos são utilizados como uma agressão entre o pai e a mãe, como uma arma de arremesso. Como consequência da alienação, os filhos interagem menos tempo com o pai ou a mãe alienados, que assim ficam impedidos de ter condições para que possam defender-se com sucesso das falsas acusações (Delgado-Martins, 2017).
Os casos mais frequentes de alienação parental estão associados a situações em que a rutura da vida conjugal gera um sentimento de vingança muito grande num dos pais. Quando este não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, desencadeia um processo de destruição, vingança, desmoralização e descrédito do ex-cônjuge. Neste processo vingativo, a criança é utilizada como instrumento da agressividade direcionada ao parceiro. Se o processo de alienação não for interrompido, pode atingir um nível que inviabiliza qualquer contacto entre o(s) filhos(s) e o pai ou mãe alienado (Dias, 2011).
Num processo de alienação parental, um dos pais tem atitudes e comportamentos que visam afastar injustificadamente o filho do outro, privando-o da sua relação de vinculação com ele. A alienação parental deve ser considerada como uma prática de crime de violência doméstica, uma vez que consiste numa violação do direito de as crianças terem um contacto saudável com ambos os pais, uma vez que é obrigada a ser fiel a apenas um deles. É uma forma de maus tratos infantis frequentemente ignorada ou não identificada. Trata-se de uma forma grave de maltrato psicológico e abuso emocional infantil, na medida em que se opera uma tentativa de anulação da imagem do outro progenitor na vida da criança, através de um conjunto de estratégias manipulativas e perversas. Deve ser entendida como uma violação do direito das crianças ao contacto livre e saudável com ambos os pais, sendo que nenhuma criança devia ser obrigada a ter de escolher entre um dos pais.
Na alienação parental, o pai ou mãe alienador usa poder e controlo sobre o(s) filho(s) para infligir no outro, o que resulta numa violência muito mais brutal do que a violência física, uma vez que se trata de um sofrimento duradouro e irrevogável provocado através de uma criança que por ele é amada. A alienação parental é uma variante psicológica/emocional de violência doméstica, imposta à vítima através da brutalidade que o pai/mãe alienador representa (Childress, 2015).
Uma criança não se aliena sozinha de um pai ou de uma mãe: é impelida a maltratá-lo(a). Ou, melhor, uma criança é maltratada por um dos pais e maltrata o outro. E isso é um maltrato grave de que deve ser, inequivocamente, protegida. É muito importante que os familiares, amigos próximos, professores estejam atentos às crianças e aos jovens cujos pais se separaram recentemente ou que estão em processo de divórcio, para que, em nome do bem-estar da criança, agirem preventivamente, evitando situações de alienação parental.
Eva Delgado-Martins
Psicóloga e terapeuta familiar
Fonte: Público
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