Podem ser impulsivos, impacientes, esquecidos, sentirem dificuldade em gerir tarefas. Já na infância, Natacha, Ana Lúcia e André davam sinais de estarem sempre na lua, mas o diagnóstico de hiperatividade e défice de atenção só chegou bem mais tarde.
Certo dia, Natacha Amourous perdeu o telemóvel em casa e quando deu por falta do equipamento começou a procurar, com a ajuda dos filhos, Catarina e Martim, e do marido, Rui Miguel. Estava no frigorífico e não sabe explicar o aparecimento em tão improvável sítio.
Todavia, o diagnóstico que esta mulher de 46 anos, de São Domingos de Rana, recebeu há seis anos de um neurologista dá a resposta, aliás, baseada numa suspeita antiga: integra os 2,5 a 3% da população adulta com perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA), que é mais frequente na infância, afetando entre 5 a 7% crianças em idade escolar, segundo estudos epidemiológicos internacionais.
“A PHDA é uma perturbação neuropsiquiátrica, pois manifesta-se com sintomas cognitivos, emocionais e comportamentais. É originada por alterações do funcionamento do cérebro, que ocorrem durante o desenvolvimento do sistema nervoso”, explica Joaquim Cerejeira, diretor clínico da Unidade Psiquiátrica Privada de Coimbra e professor auxiliar de Psiquiatria da Universidade da Beira Interior.
Já na meninice Natacha “andava com a cabeça a mil” e resistia às regras. “Se a professora perguntava o resultado de 2×2, respondia 5 de propósito, só para contrariar”, confessa. À mãe, Francelina Pina Marques, foi recomendado levar a filha mais velha de três a um psicólogo. Assim foi, fez exames e “não acusou nada de especial”.
Em adulta teve vários empregos e abriu um infantário, que encerrou há sete anos para se dedicar aos filhos, Martim de 13 anos e Catarina de 11. “O Martim também é hiperativo e exige cuidados especiais”, diz Natacha, que no dia-a-dia exclui “tarefas que exijam muito esforço” e admite ser desarrumada preferindo “aproveitar os dias e deixar para amanhã o que pode fazer hoje”.
Mariana Rigueiro Neves é psicóloga clínica, pertence ao Núcleo do Défice de Atenção e Hiperatividade, Perturbações do Comportamento e Humor do PIN – Progresso Infantil, em Lisboa, e atesta que o diagnóstico de PHDA pode ser difícil de concretizar nos adultos. “Por vezes encontramos outras perturbações mentais instaladas, que podem dificultar a identificação. Se precisarmos aceder a informação válida sobre a infância e adolescência pode ser outro problema, uma vez que para muitos desses adultos é difícil ter memórias realistas e alguns não têm já a quem recorrer para as validar.”
Subdiagnosticada nos adultos, porque até há pouco tempo era considerada exclusiva das crianças, a PHDA é uma única perturbação que tem dois domínios principais: défice de atenção e hiperatividade motora e impulsividade. “Tipicamente a intensidade dos sintomas diminui com a idade, embora de forma diferenciada. A hiperatividade motora reduz enquanto o défice de atenção tende a persistir”, sustenta Joaquim Cerejeira, garantindo que começa sempre na infância. Por norma, a perturbação é diagnosticada ao surgirem alterações comportamentais em idade escolar. Contudo, em alguns casos, os sintomas mais graves apenas aparecem na vida adulta.
Quando em 2002 André Carvalho deixou Mangualde, onde nasceu há 34 anos, para estudar Engenharia Eletrotécnica na Universidade de Coimbra, estava longe de imaginar que hoje ainda não teria o curso concluído.
“A minha vida mudou em 2010/2011, depois de ter começado a trabalhar com o Dr. José Boavida, um pediatra de Coimbra que me diagnosticou PHDA. Coincidiu com uma altura em que pensei deixar de estudar, mas, como nesse ano fiz muitas disciplinas, continuei a insistir e a tomar decisões impulsivas”, conta André, que ao assistir a um simpósio, em 2013, percebeu que tinha de fazer escolhas. Um ano depois entrou no MBA e, em 2015, criou uma empresa de consultadoria.
Ana Lúcia Ventura, de 48 anos, vive em Condeixa-a-Nova e é auxiliar de idosos de profissão. Filha de emigrantes portugueses em França, por lá nasceu e refere ter tido um percurso escolar normal, embora andasse “sempre na lua”. Lembra que “era um inferno” quando a professora a “mandava ao quadro” e ficava sentada no fundo da sala para não dar nas vistas.
Aos 25 anos veio para Portugal e constatou que “era diferente na maneira de ser, parecia que estava fora da caixa”. Contudo, a suspeita de PHDA só veio com o diagnóstico de Duarte, atualmente com 17 anos. Esta mãe recorda que o filho entrou no jardim-de-infância aos três anos, pouco depois de nascer a irmã, Lúcia.
“Na escola primária tinha uma escrita horrível e o professor dizia que era muito calado e que estava sempre na lua, mas como entrou para a escola ainda com cinco anos pensei que tinha dificuldade na adaptação”, recorda. Mais tarde, levou Duarte a uma consulta de psicologia para fazer testes, tendo sido diagnosticada PHDA e disgrafia. Ana Lúcia lembra que um dia o primogénito mencionou as parecenças entre ambos, recuou no tempo e encontrou várias, como “o medo de ir à escola porque havia matérias que não gostava e as atividades que começava e nunca acabava”.
De acordo com Mariana Rigueiro Neves, os comportamentos visíveis de PHDA nos adultos tornam a vida mais difícil a nível profissional, pessoal, académico e social. Podem ser sinais indicadores “a dificuldade mais abrangente em planear, organizar e cumprir as tarefas no dia-a-dia, a distração fácil, muitos esquecimentos, dificuldade em gerir o tempo e em cumprir prazos”, enumera, acrescentando que as pessoas “podem sentir-se inquietas, ter dificuldade em esperar pela vez, interromper os outros constantemente e agir impulsivamente sem pensar nas consequências”.
Porque acredita na causa e quer ajudar pessoas com PHDA, André é voluntário na Sociedade Portuguesa de Défice de Atenção (SPDA). “O meu sintoma mais prevalente é o défice de atenção, mas também sou impulsivo. Fazia imensas compras pela Internet de mochilas que não precisava, de livros que nunca acabava de ler e de muitas outras coisas que não faziam falta nenhuma”, desabafa. Assegura que agora consegue obter maior concentração e controlar os impulsos, graças à medicação.
Ana Lúcia Ventura aprendeu igualmente a lidar com a PHDA. “Ando sempre com relógio, caneta e bloco de notas. É assim que consigo superar a falta de concentração e ter a agenda sempre em dia.”
Natacha Amourous, que já pensou comprar um caderno para lá apontar tudo, encontra no crochê uma forma de relaxar. “É uma das raras tarefas a que me dedico com paciência”, sublinha com uma calma que não deixa adivinhar que está “com a cabeça a mil”.
Fonte: Notícias Magazine
Sem comentários:
Enviar um comentário