Três a cinco por cento das crianças e dos jovens portugueses são sobredotados. Ou seja, têm um QI superior a 130, quando o da média da população ronda os 100%. São cérebros cheios de potencial, à espera de serem descobertos. Podem ser capazes de ler aos dois anos, mas não desenvolvem todas as suas capacidades ao mesmo tempo. Desfazer os mitos de que são infalíveis e capacitados em todas as áreas estão entre os objectivos das associações que os apoiam.
Aos dois anos já lia as matrículas dos carros e algumas palavras, nas legendas da televisão ou nos letreiros dos supermercados. Os pais pensavam que estava a associar a imagem aos anúncios, julgando-o apenas "um bocadinho precoce", recorda a mãe. No entanto, quando entrou para a pré-primária, aos três anos, perceberem que Pedro (nome fictício) poderia ser uma das cerca de 48 mil a 80 mil crianças sobredotadas do País.
A sua agressividade na escola levou-os a procurar um psicólogo, que lhes fez o diagnóstico: Pedro era sobredotado. Ou seja, tinha um QI (coeficiente de inteligência) superior a 130, quando o da maioria das pessoas ronda os 100% (ver caixa). E aconselhou-os "a procurar a um especialista, porque os psicólogos tratam problemas" e ele não tinha nenhum.
A frustração de estar rodeado de crianças que não tinham os mesmos interesses, a ouvir matérias que já conhecia, aborrecia-o e levava-o a destabilizar a aula, por estar aborrecido de ali estar.
A frustração é mesmo um dos problemas que mais afecta estas crianças. Pedro todos os dias vai para a escola na expectativa de aprender coisas novas, mas o ritmo do programa é demasiado lento para a sua vontade de aprender. Acelerou um ano, fazendo o 3.º em dois períodos lectivos. E "melhorou muito", assegura a mãe, graças à mão firme do professor, que soube conquistar a sua confiança, e ao apoio de Manuela Freitas, a fundadora do CPCIL (Centro Português para a Criatividade, Inovação e Liderança), que os aconselhou.
No entanto, é pela sensibilização dos professores que passa a melhoria do ambiente escolar para estas crianças. "É preciso acabar com a ideia de que o sobredotado é infalível", defende Helena Serra, da direcção da APCS (Associação Portuguesa de Crianças Sobredotadas). Porque podem estar muito "apuradas" numas áreas, e noutras estarem num "patamar comum ou terem mais lentidão na aquisição de aptidões".
As várias áreas de sobredotação (cognitiva, criativa, sócio-emocional, psicomotora e de liderança) devem estar desenvolvidas "harmoniosamente", explica Manuela Freitas, para que as crianças tirem partido de todo o seu potencial.
Para isso, as mais novas podem participar em "programas de enriquecimento", de associações de apoio a sobredotados, em que desenvolvem projectos à volta de um dado tema, como o ambiente ou as viagens. Trabalham em grupo, discutem as suas ideias com os colegas, desenvolvem a "motricidade fina", responsável por uma letrinha bem-feita e uns desenhos pintados dentro dos traços, muitas vezes o seu ponto fraco. E aprendem a reconhecer as suas emoções, através da expressão dramática e do improviso. Um convívio entre pares que gera amizades fortes, que nem sempre conseguem estabelecer cá fora por terem interesses muito diferentes dos colegas.
É o que acontece com o António, de oito anos, que "estranha" os amigos por estarem sempre a jogar à bola e prefere brincar sozinho. Quem o explica é o pai, António Oliveira, de 51 anos, que vê na "percepção" que o filho tem da realidade o que o distingue das outras crianças.
"Não é o contar rápido", não é o ter aprendido a ler e a escrever por si só ou o ter feito um puzzle de mil peças aos seis anos. "É olhar para a mesma coisa e ver mais do que as outras pessoas", algo que o assusta por temer não conseguir "entrar na lógica dele".
"Eles são, de facto, um fascínio", admite a psicóloga e coordenadora da delegação de Lisboa da ANEIS (Associação Nacional para o Estudo e Intervenção na Sobredotação), Sara Bahia. Pela rapidez de raciocínio, pela "curiosidade" e "compreensão" que têm da "natureza humana", completa José Pedro Trindade, professor e colaborador da associação.
No entanto, sublinha a psicóloga, mais do que saber reconhecer o seu trabalho, é preciso saber vê--los pelo que são. Um processo que nem sempre é tão complicado ou marcado por discrepâncias entre as várias capacidades. Eva Gomes nunca foi conhecida por ser "sobredotada". O seu rótulo era o futebol, e fazer amigos também não foi uma dificuldade assim que ultrapassou a timidez. Hoje tem 17 anos e está no primeiro ano de Matemática, na Universidade de Lisboa.
In: DN online
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