Educar não é tarefa fácil. Não existe um curso de parentalidade e as ações dos pais são, muitas vezes, reflexo do que eles mesmos vivenciaram. No entanto, com a importância cada vez maior dada à saúde mental e com a preocupação em perceber que mensagens são passadas de pais para filhos, métodos de parentalidade considerados comuns são agora questionados.
“Quando gritamos viramos um Rottweiler.” Nas crianças que ouvem os pais gritar, o mecanismo de sobrevivência é ligado, com a lógica funcional a deixar de estar ativa. Quem explica os efeitos imediatos do grito como forma de disciplinar é Clementina Almeida, psicóloga clínica. “Esse estado liberta substâncias, como o cortisol, que destroem neurónios, ainda em desenvolvimento durante os primeiros cinco anos de vida.” A fundadora da clínica ForBabiesBrain acrescenta que esta reação pode ficar permanentemente ligada e que os impactos dos gritos podem ser tanto a curto como a longo prazo, com consequências negativas para a cognição e emoções.
O grito, lembra Inês Oliveira, é o recurso mais difícil de retirar e o primeiro a ser utilizado em caso de desregulação. “É o método mais instável porque é difícil de controlar.” Mas a psicóloga clínica do centro de parentalidade Up2Kids sublinha que “a violência verbal tem um efeito aproximado à violência física e pode ter o mesmo impacto que as palmadas”. Utilizar este método está mais relacionado com a condição psicológica do adulto do que da criança. “Sou eu que estou com muito poucos recursos e não estou a conseguir lidar”, exemplifica a especialista.
Mas a agressividade verbal não é o único método criticado por especialistas. O castigo, ou também apelidado de “cantinho do pensamento”, é visto pelas profissionais da psicologia como um mecanismo desadequado e ineficaz. “É uma tentativa de corrigir algum comportamento, mas a criança é privada de quem mais confia para resolver algo.” Clementina Almeida exemplifica: “É como se chegasse a casa com algum problema e o meu marido dissesse para ir para o quarto acalmar-me sozinha antes de falarmos. É impensável”. Inês Oliveira ressalva ainda que a punição provoca na criança a sensação de não ser amado. “Enquanto adultos racionalizamos – dizemos ‘apanhei e não morri’ – mas, no momento, sentimos algo negativo, que deixa marcas na autoestima.”
Além da carga emocional negativa, a mensagem é também importante e “o que está por trás da palmada é o ‘amo-te'”, acrescenta a especialista em parentalidade Inês Oliveira. “Transmitimos o mesmo conceito que está por trás da violência doméstica e que irá repercutir-se ao longo da vida.”
Para modificar práticas parentais desadequadas, Clementina Almeida lembra que o primeiro passo “é alterar a noção de disciplina”, ainda assente no controlo e punição. Ao invés, devem estar associados sentimentos de guia, ajuda e mentoria. Alterar o modo de educar pode parecer difícil, pois “a primeira tendência é recorrer ao que nos foi ensinado”, salienta a responsável da ForBabiesBrain e autora de livros sobre parentalidade.
Já Inês Oliveira refere a necessidade de autoanálise. É importante “perceber quais os comportamentos dos filhos que funcionam como gatilhos”. Grande parte das práticas parentais são assentes em aprendizagens e vivências próprias, repercutindo padrões que foram, durante toda a vida, incutidos como normais. “A parentalidade é sobre o que vimos fazer e não sobre o que gostamos de fazer. É essencial pensar que pais gostaríamos de ser”, remata a psicóloga. “Quando há um bebé, é preparada toda a chegada material, mas não se reflete sobre o que queremos transmitir.”
Clementina Almeida procura dar estratégias práticas aos pais, explicar “o que está a acontecer no cérebro”. “As crianças não vieram ao mundo para nos fazer a vida negra, não são manipuladoras. Precisam de nós para se guiarem e para se regularem emocionalmente e nós temos de estar regulados emocionalmente para conseguir ajudar.”
Apesar da existência de artigos científicos com mais de 20 anos acerca da parentalidade positiva, o assunto tornou-se, nos últimos anos, mais falado e escrutinado. Clementina Almeida explica que “as neurociências não eram desenvolvidas e as crianças eram vistas como seres menores que não mereciam o mesmo respeito. A maior parte dos pais foram educados desta forma, mas há agora uma mudança de mentalidade”.
Inês Oliveira aponta que a “maior procura [por ajuda] ocorre entre os dois e os três anos e meio de idade, quando as crianças começam a demonstrar identidade e percebem que são seres autónomos com gostos e conhecimento”. Com o projeto ForBabiesBrain, suportado por diversos materiais digitais disponíveis para aquisição e as partilhas nas redes sociais, Clementina Almeida afirma que a missão é dar ferramentas práticas aos pais. “Queremos chegar a todos, especialmente aos que mais precisam.”
Sara Sofia Gonçalves
Fonte: Notícias Magazine por indicaão de Livresco
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