A compreensão leitora pode ser um desafio para as crianças. A maioria das pessoas pensa no processo de leitura como uma tarefa simples e fácil de realizar. Contudo, na realidade, a leitura é um processo complexo para o qual necessitamos de diferentes competências. Em conjunto, essas competências levam-nos ao objetivo final da leitura: a sua compreensão.
Existem múltiplas formas de ajudar os pequenos leitores a desenvolver essas competências tanto em casa como na escola.
De forma simples, iremos abordar as seis competências essenciais necessárias para a compreensão leitora e também algumas dicas sobre como as desenvolver.
1. Descodificação
A descodificação é uma etapa fundamental no processo de leitura. Esta competência é a base para todas as outras competências da leitura.
A descodificação baseia-se na consciência fonémica e no conhecimento dos sons das letras. A consciência fonémica permite que as crianças ouçam sons individuais, isto é, o som de cada letra (conhecidas como fonemas) e transformem em palavras Por exemplo: bola – / b /-/ ó /-/ l /-/ a /. Também lhes permite brincar com os sons ao nível da sílaba e da palavra, através das competências inerentes à consciência fonológica.
Nesse sentido é também importante que a criança saiba os diferentes sons de cada letra, de forma a manipular com mais facilidade as sílabas e as palavras. Por exemplo, para ler a palavra sol, as crianças devem saber que a letra s produz o som / s /.
O que fazer para ajudar a desenvolver a descodificação?
A maioria das crianças adquire as diferentes competências da consciência fonológica (consciência dos sons das letras, sílabas e palavras) naturalmente, através da exposição de histórias, filmes, músicas e rimas. No entanto, algumas crianças não. De facto, um dos primeiros sinais de dificuldade no âmbito da leitura é a dificuldade em rimar, identificar o número de sílabas ou identificar o primeiro som de uma palavra.
Uma forma de ajudar as crianças na descodificação é através de atividades e jogos que ajudem a desenvolver a consciência fonológica, como por exemplo:
– Segmentação silábica:
Vou dizer uma palavra e tu vais dizer quantas sílabas tem essa palavra. Repete em voz alta. Se quiseres podes bater as palmas como ajuda.
Exemplo: Sapato (Se a criança não for bem-sucedida, dizer cada uma das sílabas pausadamente e dar a resposta certa – Sa – pa – to – 3)
– Segmentação fonémica:
Vou dizer uma palavra e tu vais dizer quantos sons tem cada uma das palavras. Repete em voz alta.
Exemplo: Bola (Se a criança não for bem-sucedida, dizer cada um dos sons pausadamente e dar a resposta certa – “b” – “ó” – “l” – “a” –
– Identificação do Fonema Inicial Igual:
Vou dizer três palavras e tu vais dizer quais são as duas palavras que começam com o mesmo som, que têm o primeiro som igual.
Exemplo: Carta; Folha; Coelho (Se a criança não for bem-sucedida, dar a resposta certa – Carta/Coelho – “k”)
– Omissão do Fonema do Meio:
Vou dizer uma palavra e tu vais dizer como fica a palavra se tirarmos o som do meio.
Exemplo: Ilha (“lh”) (Se a criança não for bem-sucedida, dar a resposta certa – “ia”)
– Troca de Fonemas na Palavra:
Vou dizer uma palavra e pedir-te que troques um som por outro e tu vais dizer como fica a palavra depois da troca.
Exemplo: Troca o 1º som de Gel por “me” (Se a criança não for bem-sucedida, dar a resposta certa – Mel)
2. Fluência
Para ler fluentemente, as crianças necessitam de reconhecer instantaneamente as palavras, incluindo aquelas que não leram ou ouviram anteriormente. A fluência leitora aumenta o número e a complexidade (e.g. palavras irregulares – estetoscópio/otorrinolaringologista) de palavras que cada leitor consegue ler e compreender num texto.
Reconhecer cada palavra pode exigir muito esforço. O reconhecimento de palavras consiste na capacidade de reconhecer palavras inteiras de forma instantânea apenas pela visualização, sem as ler ou as dividir.
A partir do momento em que as crianças conseguem ler rapidamente e sem cometer erros frequentes, são consideradas leitores “fluentes”. Os leitores fluentes leem sem dificuldades e num bom ritmo. Já são capazes de agrupar as palavras de forma a ajudar no significado e já utilizam um tom apropriado na voz ao ler em voz alta.
A fluência leitora é essencial para uma boa compreensão da leitura.
Como podemos ajudar?
O reconhecimento de palavras pode ser um grande obstáculo para os leitores com dificuldades. Em média, necessitamos de ver uma palavra cerca de 4 a 14 vezes, antes de se tornar uma “palavra visual” que reconhecemos automaticamente. Crianças com dislexia, por exemplo, podem precisar de ver a palavra até 40 vezes.
Muitas crianças debatem-se com a fluência leitora.
A principal forma de ajudar a desenvolver esta competência é praticando a leitura.
Uma das estratégias mais utilizadas é a leitura de histórias, textos ou livros. Inicialmente, mesmo antes de a criança aprender a ler, é fundamental ouvir. Pois através da escuta de leitores mais experientes, a criança adquire exemplos adequados que poderá aplicar futuramente. Após a aprendizagem das competências necessárias à leitura, a criança já poderá ler as suas próprias histórias. Para a motivar, poderá fazer uma leitura a pares (e.g. ler uma página cada um ou um parágrafo cada um). É importante escolher livros com o nível certo de dificuldade para as crianças. Outra estratégia utilizada é a repetição de leitura. Através da criação de textos de velocidade leitora, a criança pode não só treinar a sua leitura, como também a sua velocidade e a sua fluência.
3. Vocabulário
Para compreendemos o que estamos a ler, necessitamos de entender/reconhecer a maioria das palavras que estão num texto. Se a criança possuir um bom vocabulário, torna-se uma mais valia para a compreensão leitora. As crianças podem adquirir vocabulário de diversas formas, através de instruções, músicas, entre outras atividades ou meios. No entanto, a forma mais comum de adquirir vocabulário é através das experiências do dia a dia e da leitura.
Como pode ajudar a melhorar o vocabulário do seu filho?
Quantas mais palavras e vocábulos o seu filho for exposto, provavelmente mais rico será o seu vocabulário. Uma forma simples de enriquecer o vocabulário consiste em conversar e ler sobre diversos temas, de forma a incluir novas palavras e ideias, jogar jogos de palavras. Incentive o seu filho a ler, ao ler em voz alta ou fazendo uma leitura a pares, quando o seu filho se deparar com uma nova palavra incentive-o a lê-la e dê-lhe uma definição da mesma, pedindo depois que a aplique numa outra frase.
4. Construção frásica e a sua coesão
Compreender como as frases são construídas e a conexão das ideias presentes nas mesmas (coesão) pode parecer uma competência da escrita e não da leitura. Contudo, compreender como as ideias se relacionam na frase, ajuda as crianças a perceberem as frases e os textos que estão a ler, ou seja, dá-lhes coerência naquilo que estão a ler (capacidade de ligar ideias entre si).
Como podemos ajudar?
Dar instruções explícitas e simples às crianças pode ajudá-las a compreender o sentido da construção frásica. O mesmo se passa quando pedimos para juntar ou relacionar duas ou mais ideias através do processo da leitura e da escrita.
5. Raciocínio e conhecimento prévio
A maioria dos leitores relaciona o que leu ao que sabe. Deste modo, é importante que as crianças tenham conhecimento prévio sobre o que vão ler antes de o fazer. É também necessário serem capazes de “ler nas entrelinhas” e extrair o significado mesmo quando não está literalmente escrito (e.g.: ler uma história passada antes do nascimento do seu filho, se ele souber informações sobre esse período da história, poderá compreender mais facilmente o que está a acontecer e a partir daí fazer inferências e tirar conclusões).
Como podemos ajudar?
O conhecimento do seu filho pode ser desenvolvido de diferentes formas: através da leitura, de conversas, de filmes, de programas de TV e da arte. As experiências que vai vivenciando ao longo da vida e as atividades que vai praticando também o ajudam a criar conhecimento. Desta forma, é fundamental expor o seu filho ao maior número de experiências e ir falando com ele sobre o que aprendeu com essas mesmas experiências. Ajude o seu filho a fazer ligações entre novos conhecimentos e conhecimentos já existentes, e faça perguntas abertas que exijam reflexão e explicação.
6. Memória de trabalho e atenção
Estas duas competências fazem parte de um grupo de competências conhecidas como funções executivas. Elas são diferentes, mas estão intimamente relacionadas. Quando as crianças leem, a atenção permite-lhes captar as informações do texto. Por outro lado, a memória de trabalho permite-lhes que se apeguem a essas informações e as usem para obter significado e desenvolver conhecimento do que estão a ler.
A capacidade de automonitorização durante a leitura também está ligada a estas competências. As crianças precisam de ser capazes de reconhecer quando não compreendem alguma coisa. Para isso necessitam de parar e voltar a reler para esclarecer qualquer confusão ou dúvida que possam ter.
Como podemos ajudar?
Existem diversas maneiras de ajudar a melhorar a memória de trabalho do seu filho – jogos de memória, de repetição, entre outras atividades no mesmo âmbito.
É importante relembrar que quando as crianças se defrontam com uma ou mais das competências anteriormente abordadas, podem vir a revelar dificuldades em compreender completamente aquilo que leem. Isso pode apenas significar que a criança necessita de mais de tempo e incentivo para progredir.
As competências de descodificação, a fluência e o vocabulário são essenciais para a compreensão leitora. Se a criança for capaz de ligar ideias dentro e entre frases irá compreender um texto mais facilmente. A leitura em voz alta e conversar sobre experiências pode ajudar as crianças a desenvolver as competências de leitura.
Artigo traduzido e adaptado de 6 Essential Skills for Reading Comprehension, by Andrew M. I. Lee
Fonte: uptokids
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