Aquele que poupa a vara, corrompe a criança" constitui uma menção bíblica (Provérbios,13:24) que exalta o valor do castigo físico na educação da criança. Não surpreende, por isso, que desde tempos imemoriais se tenha recorrido ao castigo físico como método educativo prevalente.
Entre nós, o Código Civil de 1966 ainda previa um poder de moderada correção dos pais sobre os filhos. Com a Constituição de 1976 e a subsequente reforma de 1977 do Código Civil, passou a consagrar-se o dever de os filhos obedecerem aos pais e o poder/dever dos pais, de no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento e dirigir a sua educação. O Código Penal de 1982 criminalizou, pela primeira vez, os maus-tratos a menores, mas fez depender o preenchimento do tipo legal da verificação de malvadez ou egoísmo, como motivação para a inflição dos maus-tratos, requisito que caiu com a revisão de 1995. A esta mudança não terá sido indiferente a ratificação pelo Estado Português da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, que consagrou a obrigação do Estado adotar todas as medidas adequadas à proteção da criança contra todas as formas de violência física ou mental.
A criminalização dos castigos corporais só se concretizou em 2007. No ano seguinte, o legislador passou a denominar o, até então, poder paternal, como responsabilidades parentais, colocando a tónica nos deveres dos pais para com os filhos e já não nos poderes, vinculados ao superior interesse da criança.
Serão, ainda hoje, admissíveis os castigos corporais, no nosso ordenamento jurídico?
A resposta é complexa. Os modelos educativos modificaram-se, privilegiando o recurso à palavra, ao exemplo e ao reforço positivo, recusando toda a violência como forma de educar. Não temos dúvidas de que o progenitor que recorra, regularmente, aos castigos corporais, ainda que leves, cometerá o crime de violência doméstica, mas hesitamos quanto ao enquadramento jurídico a dar à aplicação de uma singular palmada educativa. Ou, pelo menos, duvidamos da razoabilidade da prossecução de um processo penal contra este progenitor e da eficácia de uma eventual condenação em pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, como modo de prevenir a reincidência.
A nossa Constituição impõe ao Estado uma obrigação de proteção da criança contra o exercício abusivo da autoridade na família, mas reconhece-a, também, como célula fundamental da sociedade, instando o Estado à colaboração com os pais, na educação dos filhos. A intervenção deve, por isso, ser indispensável e proporcional. A esta luz, quer-nos parecer que a dissuasão da palmada educativa singular não deverá passar pela prossecução penal, mas antes, pela intervenção da CPCJ, que proporcionará o apoio necessário ao progenitor no sentido da não reincidência. É ainda essencial o incentivo da cultura de não violência nas escolas, desde tenra idade, para que possamos esperar que a palmada educativa tenha os dias contados.
Elisabete Ferreira
Fonte: DN
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