Em Portugal, o programa da escola a tempo inteiro foi lançado sobretudo a pensar nos “benefícios para as famílias que trabalham” e não como uma “estratégia para incrementar a aprendizagem e desenvolvimento dos alunos”. Esta é uma das constatações de um documento de trabalho da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), intitulado More Time at School, onde foram analisadas as experiências da Áustria, Portugal, Dinamarca, Chile, Colômbia e Uruguai.
Deste grupo só a Áustria se assemelha a Portugal no enfoque dado ao apoio às famílias, embora com uma diferença de peso: as actividades para além das horas normais de aulas são pagas.
O programa escola a tempo inteiro, que prolongou o funcionamento das escolas do 1.º ciclo até às 17h30, foi lançado em 2006 pela então ministra socialista da Educação Maria de Lurdes Rodrigues. Com a actual tutela de Tiago Brandão Rodrigues ficou estipulado que as chamadas Actividades de Enriquecimento Curricular, destinadas a alunos do 1.º ciclo, deveriam ter um carácter sobretudo lúdico e não funcionar como um prolongamento das aulas.
Este é um outro ponto em comum com a Áustria e também com o Uruguai. Já na Dinamarca, por exemplo, a oferta de mais horas de escola por dia é aproveitada para reforçar as aulas de Matemática e de língua materna, embora não só. Este é também o modelo seguido no Chile e na Colômbia.
No documento de trabalho da OCDE frisa-se que a extensão do dia de aulas voltou a estar em cima da mesa na sequência do fecho das escolas imposto pela pandemia de covid-19, de modo a providenciar tutorias aos alunos e tempo extra de aprendizagem.
Em Portugal, o terceiro período do ano lectivo passado cresceu duas semanas, mas o Ministério da Educação rejeitou outras hipóteses como “escolas de Verão” ou impor uma maior carga horária aos alunos. A OCDE vinca que este é ainda um processo em curso de que se deverá, a prazo, tirar conclusões, mas destaca que os exemplos que vêm de trás mostram que a extensão do dia escolar pode ser “redireccionado para apoiar as necessidades académicas, sociais e emocionais dos alunos, de forma flexível e holística”.
Entre os seis países estudados, Portugal e Áustria são os únicos em que a frequência das actividades extra-aulas é facultativa, embora a sua oferta pelas escolas seja obrigatória no caso português. Por outro lado, no Chile e na Colômbia estas actividades são asseguradas sobretudo por professores, enquanto nos outros países se juntam também outros profissionais.
Escassez de pessoal em Portugal
A este respeito, a OCDE sublinha que para assegurar “a qualidade pedagógica das actividades extracurriculares é necessário ter atenção à qualificação e prática de quem as assegura, como também às suas condições de trabalho e de remuneração”. Portugal é aqui apontado como um mau exemplo: condições contratuais “desfavoráveis têm levado a uma grande rotatividade e afectam a motivação dos profissionais”.
Mas há mais. “No Chile, Portugal e Uruguai, a escassez de pessoal tem dificultado a realização de algumas actividades”. Por esta e outras razões, “devem ser reajustadas expectativas e traçar objectivos realistas”, aponta a OCDE.
A organização refere também que a avaliação das experiências da escola a tempo inteiro mostra que esta estratégia teve “impactos na abertura das escolas à comunidade, na cultura e participação escolar, bem como no aprofundamento do trabalho de equipa”.
Por outro lado, um dos principais desafios continua a ser o da sua “articulação” com as aulas regulares, o que também depende do tempo ocupado por estas. Aos sete anos de idade, os alunos têm 1080 horas anuais de aulas em Portugal, enquanto na Áustria, por exemplo, este número baixa para 690 horas.
No documento de trabalho da OCDE lembra-se que a escola a tempo inteiro tem motivado debates sobre a sua eficácia, existindo vários estudos que apontam para um “impacto positivo modesto nos resultados escolares, sobretudo os registados pelos estudantes de meios desfavorecidos”. Que a extensão dos dias escolares “podem ser uma estratégia eficiente para algumas escolas, mas não para outras”. E que por isso os sistemas educativos que optam por estes programas “precisam de estabelecer objectivos claros e partilhados, esboçarem modelos pedagógicos que apoiem esses objectivos através de deferentes actividades, espaços e materiais, assegurando os recursos e o pessoal necessários”.
Em 2020/2021, 80,6% dos alunos do 1.º ciclo estavam envolvidos em Actividades de Enriquecimento Curricular, o que representa uma quebra por comparação a anos anteriores que, segundo a Confederação Nacional das Associações de Pais se deve não só à pandemia, mas também à “falta de qualidade" de muitas delas.
Fonte: Público por indicação de Livresco
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