Leio as políticas avulso. As discussões pequeninas sobre quando ensinar o quê. Pacotinhos contra a pobreza. Contratação de pessoas que ninguém sabe se são mesmo necessárias e que impacto vão ter. Faço as contas, sempre as contas. O Ministério da Educação ia contratar 3300 professores (não sei se vai) mas se o fizer são 3 ou 4 professores por agrupamento. Podem fazer a diferença… pergunto-me qual? Vão ser distribuídos com que critério, para resolver que problema?
No verão lançou-se um plano de recuperação da educação. Dinheiro fresco a chegar. Computadores, professores, técnicos superiores. Não se encontra uma linha a falar de impacto, uma linha que nos diga onde queremos estar daqui a cinco anos. Chavões sem foco. Os pontos fundamentais arredados da discussão. Muitos a falar sozinhos. Os atores do terreno afastados da discussão, a serem tratados como se as escolas fossem uma massa uniforme, como se todas tivessem os mesmos problemas e necessidades.
Problemas identificados que não se resolvem por magia. Soluções que necessitam de mobilizar várias áreas da política, vários atores sociais. Políticas que carecem de objetivos específicos.
Revisitemos alguns dos problemas principais:
- Famílias pobres: que tal dar apoio financeiro às famílias, mas apoio que se veja. Agir como o país desenvolvido que sonhamos ser, longe do século XIX dos contos vitorianos de Dickens. Os apoios sociais deveriam ter em conta que casa onde há crianças tem de haver comida, cama e roupa lavada. Se são pobres necessitam que se lhes dê dinheiro, de melhores níveis salariais para os pais (e melhor qualificação) e que o mercado de trabalho possa ter condições para criar e manter empregos de verdade. A pobreza infantil resolve-se fora da escola. Dar um leitinho e umas ajudinhas não resolve nada, pode disfarçar pontualmente mas não ataca a raiz do problema. É tempo para os atores políticos falarem uns com os outros, para fazer desenho de políticas transversais – ligar a educação com a segurança social, habitação e trabalho. A escola é a sociedade toda em modo concentrado.
- Alunos que não querem saber: contratar pessoas que abanem a escola e a tornem mais motivada e pedagogicamente mais ativa e diversificada. Só as pessoas podem fazer a diferença. Seria necessário poder escolher os trabalhadores, seria necessário ter um plano para o que fazer com essas pessoas. A necessidade deveria emergir das bases, as escolas deveriam utilizar a sua autonomia para gerir os seus recursos de forma estratégica e bem direcionada. Atores políticos a falar uns com os outros – professores, diretores, autarcas, associações de professores e, claro, o poder político. Não basta aumentar o número de professores, tem de se trabalhar na mudança das práticas, da forma como se chega aos alunos, a cada aluno. Tem de se planear onde queremos chegar antes de partir.
- Currículos muito longos: já temos as metas curriculares. Não podemos confundir pedagogia com conteúdo. O problema está muitas vezes na forma desinteressante com que os temas são introduzidos e apresentados. Voltamos à metodologia, aos professores que fazem diferente, que são capazes de subir para cima da mesa e deixar os manuais na mochila. Aos que se entusiasmam e levam o mundo para dentro da sala ou os alunos para o mundo. O teatro, a música, o ambiente, a alimentação (…). Não interessa nada se o conteúdo X é introduzido no momento A ou B. Tem de ser introduzido até um determinado ponto, e ser avaliado. Como e quando deve ser decisão de quem sabe ensinar. As avaliações devem focar-se na utilização de conceitos e não serem suscetíveis de preparação específica para o exame. Não são os exames em si que criam amarras à educação, mas sim a forma como são encarados e construídos. Mais uma vez a chave é envolver a comunidade, os pais, as autarquias e também a tutela. E, claro, saber o que queremos e para que servem os instrumentos.
Vou ao terreno. Falo com atores locais. Vejo muita gente boa e empenhada. Mas também vejo muitas medidas inconsequentes, fazer por fazer. Falta de estratégia. Tudo ancorado no voluntarismo e boa vontade de alguns. Projetos que começam e acabam sem ninguém saber para que serviram. Diretores que têm tantos projetos a decorrer que são incapazes de os identificar.
Pessoas cansadas. Muitas horas em sala de aula, uns a falar demais outros a absorver de menos. Uns ricos e muitos pobres, tendencialmente distribuídos por escolas segregadas. A escola de hoje já não é a do século XIX, mas não sabemos bem o que é, nem tão pouco o queremos que seja. Estamos a caminho, temos um mapa, tantas ruas, tantas opções… para onde vamos?
Isabel Flores
Fonte: Observador por indicação de Livresco
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