Quando uma criança aprende a ler e a escrever, passa também a dominar o sistema ortográfico da sua língua materna. Com as estratégias corretas de ensino, ela começa a associar os símbolos impressos aos correspondentes sons da língua oral e consequentemente a atribuir-lhe um significado. Para isto acontecer de forma harmoniosa, é necessário manobrar uma competência especial chamada processamento fonológico, que implica justamente a perceção, discriminação e análise dos sons da fala. Dificuldades nestas áreas estão muitas vezes associadas à dislexia.
O problema é que a correspondência entre o grafema (letra) e o fonema (som) nem sempre é linear e inequívoca. Ao estabelecer uma relação entre a linguagem oral e a escrita, é expectável que quanto menos direta for esta relação mais difícil seja a aprendizagem da leitura e escrita. As implicações da língua materna na aprendizagem da leitura e escrita foram estudadas e são explicadas pelo conceito de opacidade da língua. Numa língua mais transparente, como o finlandês ou o italiano, a ortografia reflete a fonologia de uma forma muito consistente, sendo que normalmente uma letra é pronunciada quase sempre da mesma forma. Numa língua mais opaca, como o inglês, a relação entre a fonologia e a ortografia é pouco consistente, já que a mesma letra pode representar vários sons.
Uma criança que aprenda a ler no contexto de uma língua materna mais opaca, vai enfrentar maiores obstáculos na sua aprendizagem do que outra criança que aprenda uma língua mais transparente. O português é uma língua de opacidade média, que se encontra mais ou menos a meio do espetro. Enquanto alguns grafemas do português têm apenas uma representação fonética (como a vogal “i” ou a consoante “p”) existem outros grafemas com várias correspondentes na oralidade (como a letra “c” nas palavras “cão” e “cidade”).
Existem alunos com dislexia em todos os países e em todas as línguas, mesmo as não alfabéticas. Ainda não se sabe ao certo se estas diferenças nas línguas têm efeito na prevalência de dificuldades de aprendizagem específicas, mas já se conhece o seu impacto em alguns aspetos da aprendizagem. As línguas opacas estão associadas a menor precisão na leitura e escrita durante os primeiros anos de escolaridade, enquanto as línguas transparentes permitem uma leitura mais precisa mais cedo.
Alguns estudos revelaram que alunos espanhóis, finlandeses e alemães liam palavras e pseudopalavras com uma precisão de 85% no final do 1.º ano de escolaridade. Ao mesmo tempo, as crianças inglesas apenas conseguiam ler com 50% de precisão. Em teoria, os alunos portugueses deveriam situar-se algures a meio destes valores. Os obstáculos colocados por uma língua opaca afetam as crianças disléxicas, mas não só.
Atualmente as abordagens mais eficazes para o ensino da ortografia envolvem três aspetos-base:
– O ensino explícito das regras envolvidas e a prática repetida. Já que, ao contrário da fala, a linguagem escrita não ocorre naturalmente e tem de ser ensinada explicitamente;
– O uso de onomatopeias e outras mnemónicas para ensinar a relação grafema-fonema. Por exemplo associar a letra T ao tambor que faz “Tum-Tum-Tum”;
– O ensino de padrões que se repetem nas palavras, ou seja, a sua morfologia. Prefixos e sufixos, rimas, etc.;
– O feedback imediato sobre o erro. Pais e professores devem focar a correção no tipo de erro (qual foi a troca, omissão ou regra que falhou).
Não são de esperar dificuldades persistentes na leitura e escrita para além do final do 2.º ano de escolaridade. É crucial que pais e professores procurem atempadamente uma avaliação destas competências para despiste de dificuldades específicas.
Sílvia Lapa
Fonte: Público
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