Os ensinos básico e secundário regressam, pela segunda vez, ao ensino à distância, com todas as vantagens e desvantagens que daí advêm. Se a educação na sociedade digital, que já faz parte do nosso quotidiano, significa o uso de diversas formas de computação e o acesso à Internet, então o ensino à distância deveria corresponder a uma ligeira mudança. Mas não o é, e por vários motivos.
A educação e a formação fazem parte das questões prioritárias de uma agenda digital baseada em pressupostos políticos, definidos, por exemplo, pelo Plano de Ação para a Transição Digital, ao nível nacional, e pelo Plano de Ação para a Educação Digital 2021-2027, ao nível da União Europeia.
O ensino digital, na modalidade de ensino à distância, um misto de atividades síncronas e assíncronas, não é nem um mero processo, nem um discurso totalmente banal, constituindo uma nova realidade dominada por aspetos técnicos, naquilo que é a instrumentalidade da tecnologia, por questões sociais, relacionadas com lógicas de igualdade e de poder, e por perspetivas culturais (que dizem respeito à escola em si e à sua gramática de regras formais e informais), não esquecendo os interesses económicos, em que os gigantes tecnológicos se assumem como líderes na conceção e implementação da educação digital.
O atual retorno ao ensino à distância não significa um salto no desconhecido tanto para docentes, quanto para alunos e pais/encarregados de educação. Há, decerto, docentes mais experientes no domínio das tecnologias digitais, bem como há alunos e pais mais conscientes dos problemas que a ausência do ensino presencial acarreta, nomeadamente a falta da relação pedagógica direta e a escassez de recursos educativos adequados, incluindo o acesso à Internet.
O que se aprendeu com a 1.ª fase do ensino à distância (de março a junho de 2020) é que sem recursos educativos digitais adequados não existem as mesmas oportunidades de aprendizagem para todos os alunos, havendo os que ficam ainda mais para trás enquanto outros se desprendem da escola, “desligando a ficha”, mesmo numa situação de aprendizagem online.
Como revelam alguns estudos realizados nos últimos meses, alguns deles de relevância internacional, com destaque para os da OCDE e para os da OEI, o ensino à distância, para os alunos da escolaridade obrigatória, é apenas uma solução temporária, na medida em que são muitas as desvantagens, sobretudo as que se prendem com a falta de motivação e a perda de ritmo de aprendizagem dos alunos, com a não-aprendizagem de saberes essenciais em idades que são nucleares para a sua formação, bem como com a sociabilidade e o desenvolvimento de competências socioemocionais.
Espera-se, assim, que o regresso ao ensino à distância seja por um tempo bem mais curto que aquele que se verificou em 2020, de quase quatro meses, para a maioria dos alunos, de modo que as consequências negativas sejam mais atenuadas e que não venham a ter um impacto devastador na formação de uma geração de crianças e jovens marcada pela pandemia. Mas, positivamente, também é a geração que está no centro de uma mudança acelerada para uma educação digital, que jamais será linear e totalizante, como se o “novo” substituísse de uma só vez o “velho” modo de ser das escolas.
Uma escola digital é uma escola com modos híbridos de ensino e aprendizagem, em que o ensino presencial também conta, não devendo ser considerado como tradicional, pela sua natureza de transmissão e de uniformização dos saberes, já que as práticas de ensino foram muito alteradas no modo como os professores integraram os alunos em situações de aprendizagem. Aliás, essa mudança não acontecerá de forma rápida porque nas escolas existe uma cultura organizacional de várias subculturas, tal como acontece aos níveis curricular e pedagógico.
E convém lembrar que uma escola totalmente digital não dispensará jamais o professor, a relação pedagógica e a sala de aula, tão-só alterará o acesso ao conhecimento e a utilização de materiais pedagógicos, promovendo, também, uma aprendizagem mais personalizada, naquilo que a OCDE designa por “bússola de aprendizagem”, ou seja, a capacidade de o aluno navegar pela Internet e de o fazer num contexto de uma aprendizagem orientada pelo professor (em que os dados algorítmicos não são ignorados) e pautada por competências que promovam o bem-estar pessoal e coletivo.
Olhar para algumas das imagens emblemáticas das salas do futuro equivale a olhar, há alguns séculos, para o quadro negro, há algumas décadas, para o retroprojetor e, há alguns anos, para o projetor e para o quadro interativo, todos eles recursos inovadores e que hoje tendem a ser objetos de museu, mesmo que o quadro negro se mantenha e tenha sido complementado por outros quadros. Do mesmo modo a enciclopédia impressa é material de arquivo, porque agora toda a informação que ela possa conter está à mão de um simples clique.
Não creio – seguindo o Credo Pedagógico de Dewey – que a educação deixe de ser um processo de vida para os alunos e que estes não continuem a estar no centro da escola e da sala de aula, o que não é totalmente garantido por um ensino exclusivamente digital, em que o currículo poderá passar a ser um qualquer menu de restaurante, e como no quotidiano há os mais e os menos sofisticados, os mais e os menos caros, os mais e os menos populares. O currículo é muito mais uma conversação, que é subjetiva e humanamente reconstruída face a finalidades pessoais e sociais das crianças e dos jovens.
Sim, há o regresso ao ensino à distância, por imperativos sanitários, mas também se deseja que traga de volta, o mais rapidamente possível, o ensino presencial, mesmo que este continue a ser alterado, de inovação em inovação, por uma educação amplamente reconfigurada pela era digital. E além disso, o ensino presencial significa uma escola aberta ao conhecimento e à resolução de problemas sociais, que jamais podem ser ignorados.
José Augusto Pacheco
Fonte: Público
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