A Beatriz é uma menina muito simpática e alegre, tal como o David e o João. Gostam de brincar, correr, conversar, mexer, imaginar…Têm muita criatividade e energia. Gostam da família, dos amigos e da escola.
Na sala de aula, durante a pintura de um desenho, com os lápis espalhados pela mesa, o David inicia um jogo de futebol: os lápis são os jogadores, as borrachas as balizas e o afia converte-se num árbitro. Neste jogo, onde a imaginação é infindável, a bola desloca-se num movimento sem fim. Este jogo imaginário, é interrompido pelo(a) professor(a) que afirma que o David nunca consegue terminar as tarefas. Chama-lhe a atenção, ele esforça-se e passado pouco tempo….”Golooo” e todos os materiais caem para o chão!
Na sala ao lado, os braços da Beatriz acenam à melhor amiga, afiam os lápis, batem na mesa. As pernas mexem para a frente e para trás, batem na mochila do colega da frente, vão para cima da cadeira e os pés batem no chão. O(A) professor(a) acabou por lhe dar uma bola vermelha.
Noutra escola, o(a) professor(a) continua a dar a aula e a falar sobre matérias importantes enquanto o João observa tudo o que se passa à sua volta: os colegas, as mochilas, a porta, o quadro das bolas do comportamento e tantos outros estímulos interessantes que se encontram naquela sala. Também fala alto, chama os colegas, não espera pela sua vez para responder, canta ou assobia. O(a) professor(a) prometeu que o ajudaria a estar mais atento na aula, mas disse-lhe que se tinha que esforçar mais e estar sossegado. Ele tentou, a sério que tentou!
O David, a Beatriz e o João, não conseguem acabar os trabalhos na aula, por isso têm que ficar na sala para os terminar no tempo de recreio ou muitas vezes levam trabalho extra para casa – ficam tão zangados que muitas vezes se recusam a trabalhar! “E o tempo para brincar?”, “Vou ter sempre bola vermelha”, “Eu quero muito ouvir e aprender” pensam eles...
A gestão diária com uma criança com um diagnóstico de Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) não é fácil, mas para a própria também não o é. É preciso compreender as suas dificuldades para poder conseguir responder de forma positiva. Por isso, o David, a Beatriz e o João quiseram deixar algumas mensagens aos seus professores:
-“Se o(a) professor(a) me diz para me sentar e me calar, tenho que usar todo o meu cérebro para o conseguir fazer”- As crianças com PHDA têm muita dificuldade em estar concentradas e sossegadas durante um período de tempo prolongado. Isto acontece porque o cérebro PHDA precisa de novidade e gratificação constante, sendo por isso desafiante estar concentrado durante todo o tempo em sala de aula. Para combater “a monotonia”, o cérebro procura estímulos mais apelativos que podem assumir a forma de conversa com os colegas, contorcer-se na cadeira, levantar-se ocasionalmente, brincar com a borracha e imaginar cenários, olhar para a janela ou corredor e ver o que se passa lá fora... Estar concentrado e evitar que a atenção se dirija para estímulos não relevantes exige um controlo executivo muito grande que a criança com PHDA frequentemente não dispõe, por isso, precisa de ajuda externa, como por exemplo o professor dar um toque na secretária do aluno como sinal para voltar a focar na tarefa, pedir feedback constante, recrutar o aluno para realizar tarefas que impliquem movimento como distribuir algo à turma, entregar um recado, e utilizar estímulos mais apelativos visualmente como gráficos, figuras, esquemas e vídeos.
- “Eu fico triste quando me dizem para me esforçar mais quando eu sinto que já o estou a fazer” - Muitas crianças com PHDA fazem um esforço grande para conseguir corresponder ao que é esperado de si. No entanto, as dificuldades na regulação da atenção, a impulsividade, a agitação motora, e um funcionamento executivo pobre, sintomas nucleares que caracterizam a PHDA, dificultam muitas vezes a obtenção dos resultados esperados. É fundamental compreender o impacto que estes sintomas têm nas crianças com PHDA e não as penalizar pelo que está longe do seu controlo. Assim, é crucial adotar uma abordagem com a criança que a valorize e motive, nomeadamente, valorizar o esforço e o empenho e não os resultados, dar reforço positivo elogiando e gratificando as pequenas conquistas e melhorias, ajudar a definir objetivos atingíveis e de acordo com o perfil da criança, associar a aprendizagem a matérias e conteúdos do seu interesse. Esta valorização contribuirá para que a criança se sinta motivada, e que progressivamente vá conseguindo interiorizar estratégias que lhe permitam dar resposta aos crescentes desafios, sem colocar em causa a sua eficácia e auto-estima.
- “Quando me dão muitas instruções eu começo a pensar: Como é que eu me vou lembrar de tudo?” - A PHDA tem quase sempre associado um défice no funcionamento executivo, que corresponde a um conjunto de funções responsáveis pelo planeamento e execução de tarefas, e pela capacidade de regular o comportamento com vista a atingir determinado objetivo. Uma dessas funções, corresponde à Memória de Trabalho, um tipo de memória de curto prazo que permite a retenção e manipulação de informação. As crianças com PHDA frequentemente perdem informação porque a sua capacidade de memória de trabalho é limitada, sendo facilmente excedida quando a informação é vasta. Isto é visível, por exemplo, quando têm que realizar trabalhos que implicam passos múltiplos, resolver problemas aritméticos apresentados oralmente, e responder a enunciados muito longos e encadeados. No entanto, existem estratégias que se podem adotar para compensar este défice, como por exemplo, dividir as tarefas em partes mais pequenas, evitar colocar enunciados nos testes que tenham respostas encadeadas e que sejam muito extensas, sublinhar as partes relevantes de um texto, dar suportes visuais, ensinar a tarefa com passos sequenciais e lê-los em voz alta.
- “Não quero ter uma bola vermelha” - As crianças com PHDA têm dificuldade em regular a sua atenção, agitação e impulsividade, levando a comportamentos, em contexto escolar, como conversar na aula, estarem desatentas e não finalizarem as tarefas. Sendo estes comportamentos muito visíveis e com impacto no rendimento académico, a criança vai sendo alvo de chamadas de atenção constantes, recados para casa, impedimentos em ir ao recreio (de que tanto precisam para gastar energia) porque não terminaram as tarefas, ou bolas vermelhas que se destacam no gráfico do comportamento. Sem dúvida que é fundamental que a criança aprenda a cumprir as regras e se adeque ao contexto, no entanto podemos comunicar de forma mais positiva com a criança, transmitindo o que é esperado de si ao invés do que não é esperado, como por exemplo “é importante que consigas terminar a tarefa para poderes ir ao intervalo” ao invés de “se não terminares a tarefa não vais ao intervalo”. Este tipo de abordagem torna a comunicação com a criança mais positiva e pode evitar que se sinta em constante incumprimento por não conseguir concretizar com o que é esperado da sua parte. É também importante desvalorizar pequenas falhas e valorizar os ganhos “vi que não conseguiste acabar a ficha toda, mas estiveste muito empenhado, para a próxima sei que consegues acabar tudo” ao invés de “como não acabaste a ficha toda não vais ao intervalo”.
- “Não vou fazer isso, estou farto(a) de trabalhos!” - A regulação emocional corresponde à forma como nos regulamos para atingirmos os nossos objetivos. É frequente as crianças com PHDA experienciarem dificuldade em lidar com a frustração, impaciência e excitabilidade. Isto acontece porque a forma como o cérebro processa as emoções não funciona adequadamente nas crianças com esta perturbação. Por exemplo, os défices na memória de trabalho diminuem a energia emocional necessária para planear, monitorizar e autorregular, levando a que sejam desorganizadas, sujeitas a zangarem-se facilmente ou procrastinarem. Como estas crianças são motivadas pela recompensa imediata que as emoções fortes proporcionam, elas experienciam dificuldade em orientar-se por recompensas de longo prazo. Esta experiência emocional pode ser ilustrada nas situações em que os pais ou professores entregam um trabalho para fazer com muitas folhas e grandes enunciados, algo que a criança perceciona como uma tarefa monstruosa, que nunca vai ter tempo de acabar, e que a vai privar de fazer as coisas de que gosta, originando muitas vezes comportamentos de recusa ou maior reatividade, mesmo que a tarefa esteja ao alcance das capacidades da criança.
As crianças e jovens com PHDA são crianças como todas as outras. O espaço educativo pode proporcionar o desenvolvimento de um conjunto de competências que se encontram fragilizadas nestas crianças. É por isso importante reconhecer estas fragilidades para poder dar as respostas mais adequadas face às exigências que lhes são propostas.
Autores:
Rita Ávila – Técnica Superior de Reabilitação Psicomotora
Marta Duarte- Psicóloga Clínica
Inês Alvim-Técnica Superior de Reabilitação Psicomotora
Fonte: Estrelas e Ouriços
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