A revisão das metas curriculares do 1.º ciclo do Ensino Básico é uma das vontades do Movimento Pais, Professores, Educadores e Alunos Unidos (MAPPE). “É urgente rever a complexidade dos conteúdos, assim como a quantidade dos mesmos. Consideramos que a definição das aprendizagens essenciais não é suficiente e que é o próprio currículo que precisa de ser alterado”, adianta (...) Ana Rita Dias, do movimento. Há vários motivos a sustentar essa vontade. Desde logo porque as atuais metas curriculares estão, em termos de complexidade, “completamente desfasadas do desenvolvimento neuropsicológico de crianças que representam a faixa etária do 1.º ciclo”.
“Logo no 2.º ano de escolaridade assistimos, por exemplo, a exigências de interpretação de textos e raciocínios matemáticos que não estão de acordo com o que é esperado da maioria das crianças daquela idade. São os próprios professores que, estando no terreno diariamente, verificam isso mesmo e que fazem uma enorme ginástica para que as crianças interiorizem conceitos que são apresentados muito precocemente, com a agravante de terem pouco tempo para o fazer”, exemplifica. E o facto de existir uma percentagem de crianças que adquirem conteúdos muito facilmente não pode ser motivo para se partir do princípio de que todas o devem fazer. É preciso espaço e tempo para aprofundar conhecimentos e para que diferentes crianças tenham acesso a diferentes graus de dificuldade, “sem travar os que estão mais aptos a avançar nem acelerar os que precisam de consolidar durante mais tempo”. Esta é a visão do MAPPE.
Muita matéria no primeiro nível de ensino, currículo extenso, pouco tempo. “Com um currículo extenso como o que é proposto no 1.º ciclo, as crianças não têm a oportunidade de adquirir o gosto por aprender porque são mais ou menos diretamente pressionadas a passar à próxima etapa, independentemente de já se sentirem seguras na etapa anterior”, refere Ana Rita Dias. Além das alterações nas metas, é necessária uma alteração na visão de como devem ser adquiridas. O MAPPE defende uma aprendizagem por níveis, em que diferentes crianças estão em níveis diferentes na mesma sala de aula, mas sem competições. “Faz muito mais sentido e é muito mais respeitador dos ritmos de cada um.”
Compreender e dominar matérias
A pressão para cumprir as metas sente-se na escola, nos alunos, nos professores. Mais burocracia para os docentes, frustração por não haver mais tempo para adaptar conteúdos às diferentes necessidades de aprendizagem das crianças. A pressão vem de todos os lados. “Sentem que existe uma máquina maior do que eles que os obriga a debitar matéria sem ter em consideração a flexibilidade necessária para que esta tenha real significado para os alunos”, refere a responsável. O MAPPE aplaude o recente projeto de autonomia e vê na flexibilidade curricular “um avanço extremamente positivo mas que perde a sua essência a partir do momento em que continua a existir um currículo como o que temos neste momento”.
Pressão para os professores, pressão para os alunos. Os estudos sustentam o quão importante é as crianças adquirirem uma boa autoestima, autoimagem e autoconfiança logo no início da escola. Para se sentirem competentes e para, no futuro, alcançarem os seus objetivos. “Para uma criança se sentir competente, necessita de sentir que consegue corresponder às expectativas do que lhe é proposto e essa sensação leva a que acredite mais em si própria e a que tenha uma imagem positiva de si mesma no percurso académico.” “Ora, se temos metas complexas para a sua faixa etária e que exigem que a criança domine conteúdos para os quais ainda não está preparada, estamos a promover o oposto, ou seja, estamos a fazer com que exista uma maior probabilidade de se sentir incompetente, ‘burra’ e incapaz”.
“Este sentimento, que fica gravado no seu mundo emocional, acaba por definir o seu comportamento futuro perante a escola como, por exemplo, não se tentar superar porque não acredita que valha a pena. Portanto, mais do que as aquisições concretas e rígidas, no 1.º ciclo o mais importante é as crianças sentirem que conseguem compreender e dominar as matérias, pois será esse o motor que as levará a ter mais sucesso no futuro e mais ânsia por estudar e aprender”, sublinha Ana Rita Dias.
“Recreios mais ricos e com menos cimento”
O MAPPE vai entregar uma petição em breve e pondera uma manifestação. O movimento defende escolas com espaços mais humanizados, respeitadores, saudáveis, positivos e, acima de tudo, desejados pelos alunos. “Não é suposto termos tantas crianças e jovens que não gostam de aprender, quando a vontade de saber mais é algo inato em cada um de nós. Muitos alunos dizem convictamente que não gostam da escola e isso acontece porque com um ensino tão formatado lhes matamos a motivação na perseguição dos seus interesses”, realça.
“Uma criança que não quer aprender é uma criança a quem foi cortada a chama da curiosidade. Não adianta acharmos que são eles o problema ou que tudo se baseia na educação que vem de casa. O problema somos nós, os adultos, pais, profissionais e cidadãos em geral que não estamos a saber adaptar os nossos modelos educativos aos tempos que vivemos e que minamos o gosto das crianças por aprender, fazendo-as sentir que a escola é uma obrigação em vez de criar a semente de que é um privilégio”, sustenta Ana Rita Dias.
Tudo isso implica mudanças. “Precisamos de recreios mais ricos e com menos cimento. Precisamos de modelos educativos em que a criança tem um papel verdadeiramente ativo nas suas aprendizagens e pode explorar a sua criatividade. Precisamos de profissionais com formação em disciplina positiva e resolução de conflitos para abandonarem as ineficazes estratégias de punição e recompensa. Precisamos de chamar os pais, as famílias e a comunidade à escola, assim como de levar a escola para fora dos muros, criando-se um maior espírito comunitário, sem barricadas e apontar de dedos de quem é a culpa do estado do nosso ensino. Precisamos de ter, acima de tudo, um novo olhar sobre a educação”. A petição do movimento assenta em princípios claros e fortes.
“Demasiados remendos”
O MAPPE refere que tem existido sensibilidade para estas questões e que o Ministério da Educação está a tentar, lentamente, a ir ao encontro de vários dos pontos que defende. O otimismo persiste. Acredita-se que a escola será melhor nos próximos anos, apesar de todas as resistências. Ainda assim, o movimento considera que algumas medidas deviam ser mais ousadas e que deveria haver uma maior preparação no momento da sua implementação. Muitas vezes não se sabe fazer, não se sabe como começar.
“Percebemos que estas coisas demoram o seu tempo, que há mentalidades mais conservadoras e que não é fácil gerir os desafios e dificuldades de uma escola que ficou parada no tempo e que agora quer evoluir, seja com metodologias muito expositivas, salas de aula nada dinâmicas ou processo de aprendizagem que não são focados no aluno mas sim no professor. Contudo, nesta necessidade de subir degraus muito devagar, corre-se o risco de se estar sempre a alterar o funcionamento das escolas e de se gerarem demasiados remendos, em vez de se deixar em aberto de forma mais clara e convicta o que é preciso revolucionar”.
Os modelos alternativos têm funcionado e há casos de sucesso. Melhor educação implica escolas diferentes e diferentes funcionamentos. Como a Escola da Ponte, o Agrupamento de Carcavelos ou a Escola Básica da Várzea de Sintra que, segundo Ana Rita Dias, “apesar de precisarem das suas próprias reformulações, deram passos muito maiores do que aqueles que vêm por decreto e tiveram a coragem de ir ao fundo da questão”.
Há portanto pedagogias alternativas, menos tradicionais, com provas dadas na eficácia. “Apesar das suas diferenças, têm em comum alguns princípios que são incontornáveis no futuro, como um papel mais ativo da criança nas suas aprendizagens, uma dinâmica de aula menos rígida e expositiva, um funcionamento escolar menos hierarquizado e mais democrático, um maior investimento nas artes, música e desporto, um maior contacto com o exterior e com a brincadeira não programada, entre outros.” Neste movimento, a luta é por uma educação que realmente serve os alunos e não por uma educação que é imposta e na qual eles não se reveem.
Fonte: Educare
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