Como tantas vezes escrevi e afirmei aqui e em contextos de intervenção profissional considero que a lei mais estruturante da resposta educativa a alunos com necessidades especiais, o DL 3/2008, carecia de alterações … desde que saiu. Já não vale a pena reafirmar a argumentação.
Assim sendo, registei com agrado a decisão do ME de proceder à alteração deste quadro promovendo um novo enquadramento jurídico, o Regime Jurídico da Educação Inclusiva agora aprovado em Conselho de Ministros e de que ainda desconheço a redacçao final.
Do que se vai sabendo, algumas notas e inquietações.
O conhecimento de décadas do que vai acontecendo neste âmbito nas nossas comunidades educativas leva-me a dizer que quer com o “velho” “319”, quer com o a caducar “3/2008”, encontrei práticas e atitudes verdadeiramente promotoras de integração ou inclusão, consoante os tempos, como também encontrei e encontro práticas que constituíam e constituem verdadeiros atropelos aos direitos das crianças e das famílias bem como mais do que não promoverem integração ou inclusão, promovem exclusão e insucesso e não só de alunos com necessidades especiais. Além disso provocam frustração e desânimo em muitos professores e famílias. De qualquer forma importa sublinhar que um quadro legislativo adequadoe e actual é uma importante base para o desenvimneto de melhores práticas.
Aliás, a coexistência sem um sobressalto de uma gama de práticas e visões no que respeita à resposta educativa à diversidade dos alunos que vão da mediocridade à excelência é mesmo a única dimensão em que o sistema é verdadeiramente inclusivo.
No entanto, no caso particular das alterações em educação, mesmo quando são justificadas e sugerem alguma urgência exigem que se considere de forma prudente e competente o seu processo e calendário de operacionalização.
Confesso alguma estranheza, no mínimo, com várias iniciativas no âmbito da formação e divulgação do novo regime quando ainda se encontrava em processo de legislação e, portanto, sem se conhecer o texto final.
Estamos todos cansados de inúmeras “reformas”, “orientações”, “alterações”, “inovações”, “projectos”, etc. que são postos em prática sem acautelar tanto quanto possível as condições de sucesso. Isto pode acontecer por excesso de voluntarismo, por incompetência, por imperativos de agenda ou por qualquer outra razão, como a falta de meios e recursos para operacionalizar de forma eficaz o que está disposto.
Os resultados podem ser seriamente comprometedores do sucesso das mudanças e, assim, o que deveria ser um contributo para a solução gera mais problemas e ruído.
Neste contexto, seria desejável que o processo de operacionalização do novo quadro legislativo para a educação inclusiva fosse pensado com o rigor possível, que seja feita a sua divulgação de forma adequada, que se criem os dispositivos previstos e sem sobressaltos, que se actue no plano da formação se assim se justificar, que se criem dispositivos de regulação e apoio à mudança, etc.
Como também já referi e do que conheço, julgo que a proposta contém aspectos positivos dos quais destaco o fim do “pecado original” do DL 3/2008, a existência de critérios de “elegibilidade” algo que em educação, do meu ponto de vista é inaceitável, a criação dos Centros de apoio à aprendizagem e das equipas multidisciplinares embora com um papel e recursos que suscitam dúvidas.
No entanto, outras matérias deixam-me alguma inquietação, alguns aspectos do “inovador” modelo teórico e do “novo paradigma” com um eliminar da “categorização” substituído por patamares de “acomodação” que me parecem susceptíveis de … novas formas e categorização. Ainda algumas dúvidas sérias relativas ao papel dos Centros de Recurso para a Inclusão ou a forma de participação e envolvimento das famílias, matéria sempre complexa mas crítica nos processos educativos.
Quero muito que do processo de alteração resulte mais qualidade nos processos educativos de todos os alunos, menos exclusão, tantas vezes em nome da … inclusão, mais participação de todos os alunos nas actividades comuns, mais apoios e de qualidade aos professores de ensino regular, os actores centrais nos processos educativos de todos os alunos para além dos pais, a disponibilização de recursos suficientes, adequados e em tempo oportuno e dispositivos de regulação do trabalho desenvolvido que minimizem os efeitos em que, perdoem-me o excesso e a repetição, da dimensão o sistema é verdadeiramente inclusivo, coexistem sem um sobressalto práticas excelentes com práticas e discursos que atentam contra os direitos de alunos, famílias e docentes.
O grande risco é que apesar de uma “nova lei” se mantenha o “velho” quadro que referi acima, escolas, professores e técnicos a desenvolver trabalhos de qualidade e assentes numa perspectiva de educação inclusiva e que assim continuarão a tentar fazer, seja qual for o quadro legal e escolas, professores e técnicos envolvidos em práticas que, seja qual for o quadro legal, guetizam, excluem, não promovem direitos, participação, pertença e aprendizagem, os verdadeiros critérios de educação inclusiva que transformam a “integração” em “entregação”, os alunos estão “entregados”, não integrados.
Por estas razões parece-me ainda indispensável a existência de dispositivos de avaliação e regulação que não se confundam com as competências da Inspecção-Geral da Educação e Ciência.
A ver vamos, o próximo ano lectivo está aí à porta e as mudanças não se realizam apenas por decreto e com um manual para além das boas intenções, é claro.
Em Portugal e em particular na educação funcionamos muito em modo "cada cabeça, sua sentença", veja-se a as reacções e discursos que têm surgido na imprensa e nas redes sociais bem como nos comentários que se ouvem por parte de pais, técnico e professores do regular e do "especial" que por vezes parecem "tribalizados". Neste contexto ... esta é a minha sentença.
José Morgado
Fonte: Atenta Inquietude
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