As férias também chegaram à Escola Raiz, em Lisboa. Por isso, as visitas vão ficar adiadas até ao início do ano letivo. Mas uma coisa é certa, garante Margarida Silveira Rodrigues, diretora da escola, “quem quiser trabalhar com o HighScope só aqui pode ver uma implementação do modelo a 100%”.
Da creche até ao 2.º ciclo, a escola assume-se como um estabelecimento de ensino diferente. As portas abrem-se a todos os alunos, sejam de risco ou com necessidades educativas especiais. As salas recebem crianças dos 4 meses aos 12 anos de idade, e em todos os níveis de ensino se valoriza o fazer.
Criado em 1962 nos Estados Unidos da América, por David Weikart, então administrador das Escolas Públicas de Ypsilanti, no Michigan, o HighScope é um modelo de aprendizagem ativa. Parte do princípio que as crianças aprendem fazendo. Significa que constroem o seu próprio conhecimento a partir de diferentes interações, não apenas com os materiais colocados à sua disposição, mas também com as outras crianças e os adultos que as rodeiam.
O currículo HighScope pode ser aplicado até ao 12.º ano, garante Margarida Rodrigues. Na Escola Raiz é aplicado da creche ao 6.º ano. Apesar do potencial, a diretora reconhece que no país “o modelo ganha uma expressão muito maior na primeira infância”, sobretudo porque dá ao educador “segurança perante uma série de dados” relativos à sua prática, nomeadamente, por exemplo, ao modo como organiza o espaço, ao tipo de interações, às rotinas e à avaliação.
Aplicado no pré-escolar, “permite ao educador não ter de construir o barco, mas entrar nele e navegar”, diz Margarida Rodrigues. É ela quem também preside à Associação HighScope Portugal, responsável pela promoção deste modelo de aprendizagem. Entre as vantagens da sua aplicação, a diretora da Escola Raiz destaca o papel na prevenção e na resolução de conflitos, e esclarece: “Tentamos que a criança se sinta parte da solução do problema.”
Neste momento, adianta a presidente, a Associação HighScope Portugal está a dar os primeiros passos para conseguir uma aplicação do modelo noutras escolas, tanto ao nível do ensino básico como do secundário, sejam de cariz público ou privado.
A Escola Raiz é privada. No entanto, Margarida Rodrigues garante que é possível aplicar o HighScope no ensino público. “A implementação tem muito mais a ver com o interesse do próprio professor em começar a trabalhar com este currículo”, assegura, sem, no entanto, esconder a vontade da Associação em ver as próprias escolas, “enquanto instituições”, a aderirem a esta forma diferente de ensinar, e não apenas os educadores e os professores a título individual.
A este nível, a Escola Raiz funciona também como Centro HighScope de formação certificada, dirigida a professores, educadores e diretores de escola. A todos os formandos é dada a oportunidade não só de observar como também de fazer estágios. O objetivo é aprender pela experiência como realizar o modelo para depois o pôr em prática.
Margarida Rodrigues confessa (...) não esperar grandes reformas no sistema de ensino. Pelo menos, daquelas que seriam “mesmo necessárias nos próximos tempos”. A presidente da Associação HighScope Portugal diz ainda que os professores estão motivados, mas impossibilitados de fazer mudanças.
E: Mudar o sistema educativo depende da vontade dos professores?
Margarida Silveira Rodrigues (MSR): Os professores procuram a mudança. Continuam muito motivados e interessados em que ela aconteça. Mas não a conseguem fazer. Não é possível mudar nada, sobretudo do 1.º ciclo em diante. Porque não há enfase naquilo que é central na educação, que são as interações. Não há qualquer investimento no modo como é trabalhado o conhecimento. O investimento é feito nos programas, nos exames e, quando muito, no espaço. Enquanto não se investir noutras áreas, os professores estão atentamente à espera.
E: O que está a atrasar esta mudança?
MSR: O nosso país não está para mudar porque a política educativa não o permite. Já vários Governos passaram e tudo permanece na mesma. Vê-se de vez em quando pequenos movimentos. Mas é preciso um enorme investimento na formação e uma enorme mudança na mentalidade de quem dirige. Como isso ainda não aconteceu e os rankings ainda dominam o nosso país…
E: É contra ou a favor dos exames nacionais no 4.º e no 6.º anos?
MSR: É um erro crasso que se está a cometer. Como psicóloga temo o impacto da pressão a que estas crianças são sujeitas. Há casos de alunos que bloqueiam no exame e têm de repetir o ano, o que é uma coisa estrondosa nestas idades. Ainda mais quando estes exames são realizados em maio e obrigam a que se terminem os programas em abril. Isto não faz sentido. É tudo feito à pressa.
Depois, sabe-se que crianças que treinam os mesmos exames vezes sem fim têm uma probabilidade de sucesso maior do que as que não o fazem, mesmo que estas tenham os conhecimentos muito mais estruturados. O que significa que próprio ensino se está a transformar num treino formatado para a realização dos exames. E não há nada que comprove que um bom resultado nos exames seja o prognóstico de um bom aluno no futuro ou de um bom profissional.
E: O exame avalia os conhecimentos do presente.
MSR: O elemento fundamental destes exames não é procurar perceber o que as crianças sabem; é ver em quantas cascas de banana eles conseguem não escorregar. E isto cria uma frustração enorme às crianças que sabem a matéria e, de repente, caem numa rasteira, o que não é nada adequado.
E: Defende um ensino criativo. Onde anda a criatividade no sistema educativo?
MSR: Não existe. A criatividade está confinada à primeira infância, nos poucos sítios onde permitem que ela aconteça. Não há um desenvolvimento das chamadas soft skills, toda a parte da inteligência emocional que é fundamental. Hoje em dia, as empresas escolhem os seus profissionais com esta base. E os portugueses são de tal forma competentes que no estrangeiro têm um desempenho excecional. Mas em Portugal não é possível dar desenvolvimento a todas estas competências [como se deveria] logo no 1.º ciclo.
Fonte: Educare
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