Desculpem este título que pode ser incompreensível para alguns dos leitores. Apresso-me a explicar o seu significado.
Heráclito, o filósofo grego da antiguidade clássica, desenvolveu um pensamento filosófico que híper-simplificando seria expresso por estas duas palavras gregas: panta rei isto é, tudo se move. Heráclito ficaria famoso pelo sua citadíssima frase “ninguém se pode banhar duas vezes nas mesmas águas do rio”. Tudo se move. Nós e o rio. O nosso poeta maior Luís de Camões não deixou de se referir à mudança: “Todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades (…).” Hoje, em Portugal, fala-se ainda mais em mudança do que o costume: em vésperas de eleições legislativas e presidenciais todos os partidos referem a necessidade imperiosa de mudança. Feitas as contas, ninguém quer continuar os valores e as práticas destes quatro últimos anos de governação.
Mas esta coluna não é sobre comentário político mas sim sobre Educação. Quero pois dirigir-me às pessoas a quem interessa a Educação (afinal a toda a população portuguesa) e em particular aos professores.
Como afirmava Heráclito tudo se move e se transforma, e, talvez, não haja campo em que esta mudança seja mais notória e sensível do que a Educação. Todos os anos letivos as escolas se defrontam com realidades, recursos e problemas novos e devem organizar-se para responder com qualidade e atempadamente às novas realidades que se lhes apresentam.
Todos os anos letivos a escolas se dirigem a alunos diferentes: não falamos só dos que vêm de novo, falamos também dos mesmos alunos que se apresentam com novas experiências, novos conhecimentos e hábitos diferentes. Talvez muitas destas crianças e jovens olhem a escola de forma diferente e por isso a escola, se não os quiser perder, tem que os olhar de forma diferente. Tudo se move e a escola vive na urgência de mudar para chegar a todos os seus alunos. Sabemos o quão difícil é este desiderato. Por vezes parece que vivemos uma antinomia insuperável: de um lado a normalização, o que se espera que os alunos aprendam até ao fim do ano, as metas curriculares, os programas; do outro lado a consciência que nem todos os alunos podem chegar ao mesmo tempo às mesmas metas, a necessidade de diferenciar, a banalização do insucesso e o conformismo com perder alguns alunos. Mudar a escola tem a ver com educar todos os alunos, mesmo aqueles — sobretudo aqueles — que têm mais dificuldades em seguir o ritmo e as exigências do currículo uniformizado para o “aluno tipo”. A mudança da escola passa certamente por construir pontes. Pontes entre o que a escola é e o que queremos que seja, entre o que se espera dos alunos e o que nós achamos que se devia esperar deles, entre o que eles sabem e o que nós sabemos, entre a norma e a diferença.
Estas mudanças passam-se ativamente debaixo dos nossos olhos. E damos um exemplo: hoje em dia nenhum professor acredita que os seus alunos aprendem da mesma forma que ele aprendeu, sabe que os seus alunos são sensíveis a estratégias diferentes, sabe que as motivações dos seus alunos não são as mesmas que ele tinha na idade deles, enfim, não tem dúvida que um aluno de hoje olha a Educação noutra perspetiva. E se nenhum professor acredita que os seus alunos sejam semelhantes aos alunos do tempo em que o professor era aluno, o que é que se passa? A resposta é difícil mas em muitos casos é “passa-se pouca coisa”. Quer dizer, apesar de a escola estar diferente, de os alunos serem diferentes, de as expectativas serem diferentes, de serem precisos outros métodos de ensino, outras formas de interação com o conhecimento, novas relações entre escola, professor e alunos, a escola não mudou como seria necessário. E, no entanto, tudo mudou. Muda pelo menos desde o tempo de Heráclito…
No início de um novo ano letivo precisamos de escolas, professores, alunos, famílias e comunidades crentes que tudo se move. O que se passou no ano letivo passado pode inspirar algumas compreensões para o que se vai passar este ano, mas não chega. Não basta fazer como antes porque a nossa realidade, os nossos alunos, os nossos filhos, nós próprios estamos diferentes. Lidar com esta imprevisibilidade, com esta novidade permanente é uma das grandes dificuldades da profissão de professor, certamente um dos fatores que mais contribui para o desgaste e o cansaço que todos os finais de ano letivo invadem, como uma epidemia, as nossas escolas. Mesmo profissionais que trabalham em Educação têm dificuldade em entender este desgaste profissional dos professores que implica estar presente e ativo quotidianamente em realidades muito diversificadas.
Gostaria de ver o início de cada ano como uma nova e intacta oportunidades para fazer diferente e para fazer melhor. Fazer melhor na nossa Educação talvez pudesse ser guiado por três ideias muito simples: antes de mais, todos temos que fazer a nossa parte. Não há escola boa sem bons professores e bons professores cumprem com as boas práticas da sua profissão, fazem a parte que lhes diz respeito. Em segundo lugar, ensinar todos os alunos: para isso é preciso fazer mudanças na forma de ensinar, pedir ajuda, dar ajuda, encontrar outras formas de organizar o ensino e a aprendizagem na sala de aula. Por fim, não desistir do que sabemos e do que acreditamos. Este é um compromisso que temos que consagrar de novo todos os anos: o compromisso pela escola viva, cidadã, inclusiva e equitativa. O objetivo não pode ser manter inalterada a escola e abdicar de alguns alunos; o objetivo deve ser mudar a escola para não perder nenhum aluno. Evoco Sophia quando escreveu “Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”. Nós professores, vemos, ouvimos e lemos, temos experiência, não sabemos falar “eduquês”. Sabemos o que queremos.
Panta rei, tudo se move. Quero desejar aos meus colegas professores energia e determinação para que que não desistam de se mover na escola, com a escola, com os alunos com as famílias de modo a que possamos construir uma escola de qualidade e para todos os alunos neste ano letivo de 2015/16.
David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão — Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, Conselheiro Nacional de Educação
Fonte: Público
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