segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Instituições de acolhimento de crianças recorrem a parcerias, vendas e padrinhos para contornar a crise

Redução de donativos privados e falta de apoio do Estado estão a fazer com que as organizações tentem quase tudo para conseguir verbas. A parceria é um dos exemplos das formas alternativas encontradas por estas instituições para captar financiamento que permita fazer frente à dificuldades trazidas pela crise. A venda de produtos e o apadrinhamento são outras das estratégias testadas.
No entanto, este tipo de estratégias inovadoras de captação de fundos tem riscos, avisa Natália Fernandes, professora do departamento de Ciências sociais da Educação da Universidade do Minho. Desde logo porque “alimentam uma ideia de assistencialismo”. O Estado não tem aumentado os apoios a este tipo de organismos e o recurso sistemático a donativos privados “desresponsabiliza” os poderes públicos, que têm deveres para com estas crianças, avisa a especialista.
Outro perigo é o de, algumas vezes, as iniciativas chocarem com o direito à imagem e à privacidade dos menores. “Isto vale para todas as crianças, mas em crianças em acolhimento temos que ter muito mais cuidado”, aponta.
É o que terá acontecido com o programa de “apadrinhamento” de cerca de duas dezenas de crianças acolhidas na Mundos de Vida, de Famalicão. Na “loja dos Abraços”, no site da instituição, foram colocadas as fotografias dos menores, com uma pequena nota biográfica e uma lista das necessidades mais urgentes de cada um. Era então feito um apelo a particulares para que pudessem contribuir com uma verba fixa entre os 20 e 30 euros mensais, durante um determinado período de tempo.
A iniciativa causou, porém, mal-estar junto de especialistas e técnicos da Segurança Social, que fizeram chegar as críticas à instituição. Nas últimas semanas a página foi, por isso, sofrendo várias correcções. Primeiros as fotografias foram alteradas – as imagens reais dos menores mantêm-se no site, mas foram trabalhadas digitalmente de modo a assemelharem-se a uma ilustração –, as histórias pessoais reduzidas e os nomes desaparecerem, sendo substituídos apenas por iniciais.
“Estamos sempre a fazer alterações”, comenta Manuel Araújo, da Mundos de Vida, recusando que as alterações tenham sido motivadas pelas críticas recebidas. O dirigente da IPSS assegura que os nomes que chegaram a estar no site “nunca foram reais”, ao contrário das fotografias. “O uso de fotografias de banco de imagens seria demasiado artificioso”, justifica. A ideia da instituição era criar uma campanha que fosse “sobretudo educativa”, explica e toda a campanha foi feita com o acordo dos pais das a quem estas foram retiradas. Apesar da polémica, a iniciativa foi um sucesso e, em poucas semanas, todas as crianças foram apadrinhadas, com os contributos a chegarem um pouco de todo o lado, de Famalicão aos Estados Unidos.

Trabalhar o triplo para conseguir metade

Nos últimos anos, Movimento ao Serviço da Vida, a IPSS que gere a Casa das Cores, viu os donativos privados sofrerem uma redução drástica. Mesmo mantendo o número de contribuições estável, o seu valor desceu mais de 50% e a campanha anual de angariação de fundos recolheu este ano menos 40% das verbas que no ano anterior. “Estamos a ressentir-nos da crise ao mesmo tempo que aumenta o número de solicitações”, conta a presidente da instituição, Madalena Vasconcelos.
Por isso, o organismo teve que encontrar forma de chegar a novos públicos para tentar manter a sua actividade. A parceria com o Hard Rock é disso exemplo. Os tons garridos da Casa das Cores vão percorrer as ruas da cidade de Florença no próximo domingo (24 de Novembro). Será durante a maratona daquela cidade italiana, em que uma barmaid do Hard Rock de Lisboa vai vestir uma t-shirt do centro de acolhimento de menores em risco para o promover. A participação na maratona faz parte de uma iniciativa global do “franchising” de bares, a “Hard Rock Runners”, ao abrigo da qual cada estabelecimento escolhe uma pessoa da sua equipa para correr por uma causa local. A parceria engloba também workshops de cocktails e um concerto solidário, que acontece no bar da Avenida da Liberdade, em Lisboa, na próxima quarta-feira , com a receita de bilheteira a reverter para a instituição.
Num âmbito distinto, a AMA – Associação de Amigos do Autismo, uma IPSS de Viana do Castelo, será responsável pelo renascimento do festival de Vilar de Mouros, no próximo Verão, fazendo reverter os lucros para a construção da sua nova sede, orçada em 3,5 milhões de euros. Na próxima semana (20 a 27 de Novembro), será possível praticar várias modalidades como yoga, pilates ou natação no Centro de Desporto da Universidade do Porto, em troca de duas embalagens de bens alimentares não perecíveis ou bens de higiene pessoal, que reverterão para a Associação Protectora da Criança.
Face às dificuldades “é preciso trabalhar o triplo para conseguir metade”, diz Madalena Vasconclelos, da Casa das Cores. A instituição lançou recentemente um livro infantil – “Juca, amigo guardião da Casa das Cores”, com texto de Pedro Branco e ilustração de Vera Guedes – apostando na sua venda na quadra do Natal, que se junta à gama de t-shirts que vai vendendo no seu site. Aquela instituição faz uso também de um canal no Youtube e uma página no Facebook para tentar fazer chegar a mensagem a outros públicos.
Também nisso que pensou a Ajuda de Berço, em Lisboa, quando criou a sua página na rede popular mais popular. A instituição vai enfrentando as dificuldades com os proveitos de uma campanha lançada há três anos, quando esteve na iminência de encerrar uma das suas casas de acolhimento. Hoje, os donativos são praticamente nulos e o dinheiro em caixa “só chega para enfrentar 2014”, diz Sandra Anastácio, fundadora e dirigente da instituição há 15 anos. Por isso teve que inovar. Mas a aposta no Facebook foi um fracasso. “Era bom para a marca, mas prejudicial para as crianças acolhidas”, conta. Isto porque havia quem utilizasse a página institucional para ir criticar e comentar decisões judiciais envolvendo crianças institucionalizadas e as suas famílias. “Convém ter muita cautela porque estamos a falar de crianças”, sublinha Sandra Anastácio.

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