quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A inclusão de crianças com necessidades especiais na prática e a prática da inclusão

A TEORIA

Na Declaração de Salamanca reconhece-se “a necessidade de atuar com o objetivo de conseguir “escolas para todos” – instituições que incluam todas as pessoas, aceitem as diferenças, apoiem as aprendizagem e respondam às necessidades individuais de cada pessoa com ou sem problemas” (UNESCO, 1994). Na mesma declaração é recomendado aos governos que atribuam prioridade ao aperfeiçoamento dos sistemas educacionais, de forma a incluir todas as crianças, independentemente das suas dificuldades. É também sublinhado que os governos devem encorajar e facilitar a participação dos pais e da comunidade no processo de planificação e tomada de decisão relativos a serviços para as necessidades educativas especiais e que se deve privilegiar a identificação e intervenção de alunos com problemáticas, tal como a formação inicial e contínua de professores relativamente à educação especial (Conferência Mundial de Educação Especial, 1994).
Todos os teóricos e profissionais de educação são unânimes em considerar que a educação inclusiva se baseia em alguns princípios: a) todos os alunos têm direito a uma educação inclusiva, sempre que possível nas escolas do ensino regular; b) as crianças com necessidades especiais (NEE) possuem competências, são capazes de realizar aprendizagens, as quais poderão ser úteis para a sua contribuição na sociedade em que se inserem; c) as crianças com NEE devem receber apoio especializado, de acordo com as suas necessidades e capacidades, quando dele necessitarem; d) tal como os outros colegas, as crianças com NEE devem desfrutar de todas as atividades proporcionadas pela escola regular, bem como lhes poderão ser proporcionados currículos diversificados. Quanto aos profissionais e técnicos, estes devem trabalhar em conjunto com os pais e a comunidade, inclui-los no mesmo processo educativo que as outras crianças. A inclusão chega à escola quando se assume que o respeito e a igualdade pelas diferenças devem ser tratados a “montante”, isto é, em que cada pessoa é reconhecida como única e insubstituível e não apenas como fruto de uma relação social.

A REALIDADE

A realidade é que a mudança das práticas educativas em prol dos alunos com necessidades específicas, não se realiza, apenas, através de discursos políticos, instrumentos legais ou reformas por decreto. Acontece que continuamos a ter nas escolas, professores (docentes) que trabalham, essencialmente, com os alunos médio-padrão (a tal homogeneidade); em que se ensinam a muitos como se fossem um só; com o conceito de aprendizagem como transmissão de conteúdos académicos; de escola como estrutura de reprodução, de um certo grupo social; em que as diferenças, especialmente as que decorrem da presença de culturas diversas ou de alunos “problemáticos” são difíceis de atender adequadamente e mesmo, por vezes, de aceitar.
O fato é que muitos destes profissionais, não se sentem preparados, não estão incentivados para melhorarem as suas práticas educativas; há um número excessivo de alunos em sala de aula; não há um ambiente adequado, quer em termos de recursos materiais e humanos para a recepção dos alunos.
Efetivamente para que haja inclusão, precisamos todos de entender o conceito de diversidade humana e de diferença. As diferenças, não são necessariamente algo de negativo, pelo contrário, significam que somos todos únicos e singulares. Quando à diferença se alia a uma condição de deficiência identificada geralmente com a atribuição de “pequenas” ou “grandes” diferenças”, percebe-se que estamos bem longe de adotar uma conceção e uma praxis inclusivas.
Estar incluído é um sentimento e uma prática mútua de pertença entre a escola e os alunos. Isto significa, que cada aluno deve sentir que pertence à escola e a escola deve sentir que é responsável por ele. A ideia central da educação inclusiva é que a escola não desista de ninguém.
A inclusão nas escolas não é tarefa fácil, é possível e necessária, sendo preciso a escola criar condições e adaptar-se para receber estes alunos. Independentemente de a escola ser pública ou privada, esta precisa de estar seriamente comprometida com todos, de forma a que qualquer educando que dela faça parte tenha condições de conhecer, aprender, viver e a ser cidadão, num ambiente “livre de preconceitos”.
A verdade é que se continua a ver na prática, do dia a dia, que muitos docentes continuam totalmente dependentes de apoio, dos profissionais, das áreas da saúde e da educação especial, sendo que as questões clínicas (as patologias) é que sobressaem em detrimento do pedagógico, percebemos que estamos perante uma prática muito diferente dos discursos vigentes. Ou seja, quando continua a existir docentes que teimam em considerar estes alunos como “deficientes” ou “alunos-problema” e consideram que o que eles precisam é de tratamento especializado, o que estamos é a promover, a sua segregação.
A minha experiência enquanto profissional de educação diz-me, que muitas das vezes, os professores se julgam incapazes de dar conta desta tarefa, porque consideram possuir pouca formação, para lidar com crianças especiais. A sua situação é agravada, quer pela falta de material adequado, quer pela inexistência de apoio administrativo e de recursos financeiros.
Continua a observer-se com frequência, que os significados construídos em torno dos discursos dos docentes assenta na falta de formação ou nos receios e frustração que sentem ao lidar com os alunos: “não sou capaz disso”, “não sei por onde começar”, “é preciso ter uma equipa técnica na escola”, “a direção não entende”, “vai prejudicar os outros alunos”, “não vou beneficiar o aluno com deficiência”, “”, “preciso de apoio na sala de aula”; “ficamos angustiados e sem ação perante este aluno”, “precisamos de pessoal qualificado que nos ajude a amenizar a angústia que temos ao trabalhar com eles”, “qual as metodologias mais rápidas, eficientes e adequadas ao nosso aluno?”, ” necessitamos de formação específica”, “não estamos preparados para atuar em todas as áreas”, “como ensinar uma criança deficiente? “, ” como realizar provas diferentes para os alunos especiais?”, que atitude tomar com a criança hiperativa se os outros alunos não aceitam o diferente? “…
Não é possível esquecer, que os “discursos são representações sociais de imagens construídas pela mente” e que às vezes, o uso de certas expressões verbais, muito difundidas e aparentemente inocentes, reforçam os “preconceitos”. E que aliado ao receio da mudança das sua práticas está, muitas vezes, o desconhecimento e a ignorância face a este tipo de alunos especiais. Muitos professores desconhecem quem é que são estes “sujeitos-aprendentes”, suas possibilidades, seus desejos, as suas dificuldades e os seus “sonhos”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inclusão pessoal e social dos alunos com necessidades especiais exige o esforço de todos. Todos nós, temos a responsabilidade de sermos críticos e reflexivos sobre as nossas práticas, não por imposição, mas pela ética do nosso papel social.
Com efeito, a escola precisa de ser vista como um espaço ecológico e social, propicio à construção do conhecimento, da convivência democrática, constituindo-se num verdadeiro “caldo de culturas” (onde todos aprendem com todos). E, deste modo, os vários atores sociais, procurem construir comunidades acolhedoras (educativas) e sociedades integradoras, que visem a integração da componente das necessidades educativas especiais nos currículos de todos os professores, promovendo uma formação intermulticultural.
Ao conceito de diversidade e heterogeneidade temos de aliar conjuntamente o de qualidade, dando um valor acrescentado à diversidade e encarando-a como um conceito de exigência situada e contextualizada. Promover a inclusão, é criar serviços de qualidade e não democratizar as carências. Sem mais recursos humanos e materiais será muito difícil para as escolas que sejam capazes de responder satisfatoriamente a todas as solicitações.
Um dos grandes desafios que se colocam à escola de hoje, consiste em produzir formas contextualizadas de atuação capazes de responder às necessidades educativas de uma população, cada vez mais, heterogénea, construindo um contexto relacional que reconheça essa diferença e, ao mesmo tempo, potencie a convivialidade entre todas as culturas que interagem no espaço escolar.
A entrada das crianças e jovens com deficiência na escola regular e a necessidade de a escola alargar o seu âmbito de acção, implica a mobilização do trabalho de equipa através da interação dos vários agentes educativos (dentro e fora da escolar), a fim de se empreenderem outras formas de atuação e com eficácia tendo em vista o seu sucesso educativo. Os pais têm que ser envolvidos, mobilizados, bem como, os professores ou outros técnicos da comunidade escolar e local, no quadro de uma cultura de responsabilidade.
A construção de escolas inclusivas implica, a participação de todos no desenvolvimento de um Projeto Educativo, a valorização da diversidade, numa óptica de trabalho de parceria, a fim de se criarem condições para o desenvolvimento o sentido da “comunidade educativa”.

A educação inclusiva respeita o equilíbrio entre as necessidades académicas e sociais dos alunos e as suas necessidades educativas específicas, tendo em conta os problemas na sua aprendizagem, devido a condições físicas, cognitivas ou sócio-emocionais. Para tal, propõe-se uma série de alterações metodológicas e organizacionais no sentido de criar condições materiais e humanas, de alargar o currículo, de adaptar um ensino e uma aprendizagem interativos e de dar apoio ao corpo docente e aos pais, para fazer frente às necessidades dos alunos, a favor de um processo de aprendizagem bem sucedido.

Maria Gabriela Canastra 
P.h.D em Educação
Docente de Educação Especial – Escola Portuguesa de Moçambique

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