Investigadoras do ISPA inquiriram mais de oitocentos docentes de todo o país. A indisciplina e o desinteresse dos alunos, o excesso de carga letiva e a extrema burocracia nas escolas são os principais motivos apontados.
Luís e Catarina são professores do ensino básico e sentem frequentemente que não conseguem estar à altura do que a profissão lhes exige. Ambos sofrem da chamada síndrome de burnout, um estado físico, emocional e psicológico associado ao stress e à ansiedade que, nos casos mais graves, pode mesmo levar à depressão.
Os dois não estão sós. Segundo um novo estudo conduzido por duas investigadoras do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), metade dos professores portugueses sofre deste distúrbio, que se manifesta mesmo nos níveis mais elevados em 30% dos docentes. O estudo resultou de inquéritos a 807 professores de escolas públicas (a larga maioria) e privadas de Portugal continental e regiões autónomas.
Luís (nome fictício) tem 40 anos, 18 dos quais a dar aulas de Língua Portuguesa e Oficina de Teatro a alunos do 3.º ciclo do ensino básico e a lecionar em Cursos de Educação e Formação, destinados a alunos com mais de 15 anos e com um historial de insucesso escolar. Catarina (que também pediu para não ser identificada pelo nome verdadeiro) tem 48 anos e é professora desde 1984. Dá aulas de Língua Portuguesa, Estudo Acompanhado e Formação Cívica no 2.º ciclo, apoia dois alunos com necessidades educativas especiais e é há vários anos corretora de exames nacionais, além de ser diretora de turma e coordenadora de ciclo.
"Um grande vazio"
"O sentimento de ansiedade torna-se gradualmente presente, assim como as suas consequências, nomeadamente o recurso prolongado a ansiolíticos", sintetiza Luís, garantindo que há "muitos professores" que recorrem a ajudas de "caráter psicológico e psiquiátrico, que incluem medicação forte".
"Esta é uma realidade observável através dos comportamentos, da forma de andar e falar. As queixas habituais revelam o extremo cansaço e até mesmo um tom de desespero, justificados pelas situações crescentes de indisciplina e desinteresse dos alunos, o que gera um sentimento de impotência e inevitabilidade", explica o docente.
Catarina concorda: "Muitas vezes, a sala de professores parece o muro das lamentações", conta. "A diversidade de tarefas é uma evidência" e "a carga horária é cada vez maior", diz esta professora, que exemplifica ainda com as "as reuniões constantes e intermináveis", "os alunos mais agitados e sem regras" e "os pais e encarregados de educação que "entram" na escola de forma muito negativa". "Inicialmente senti-me angustiada por verificar que a minha verdadeira função estava a ser posta em causa", descreve a professora, salientando que procurou sempre adaptar-se ao que lhe foi sendo pedido. Mas hoje sente "um grande vazio".
De acordo com a investigação realizada por Ivone Patrão e Joana Santos Rita, são sobretudo os professores do sexo feminino, mais velhos e com vínculo profissional que apresentam níveis de burnout superiores. O primeiro aspeto apontado pelos docentes como causa para o distúrbio prende-se com a dificuldade de gestão dos problemas de indisciplina na sala de aula, com a perceção da desmotivação para o estudo por parte dos alunos e pela pressão para o sucesso. O segundo fator relaciona-se com a insatisfação com a carga letiva que lhes é atribuída, por todas as responsabilidades não-educacionais e pela falta de trabalho em equipa e de suporte das chefias, além da pressão de supervisores no que toca à avaliação de desempenho.
Luís não tem mesmo dúvidas em afirmar que o atual sistema de avaliação de desempenho, que considera "desonesto e injusto", contribuiu decisivamente para o estado em que se encontra e que o leva a questionar cada vez mais o interesse que sente pelo ensino.
As duas investigadoras do ISPA concluíram ainda que os professores do ensino secundário apresentam valores mais elevados de stress e exaustão emocional, sendo também os que mais se queixam de falta de reconhecimento profissional. Além de se sentirem colocados perante níveis de exigência e expectativas superiores para a execução do seu papel, criticam a falta de condições organizacionais nas escolas e a muita burocracia associada à profissão.
Mais intervenção
O estudo, iniciado em 2009, ainda está em curso, salientam (...) as autoras da investigação. "Vamos continuar a recolher dados", diz Ivone Patrão, explicando que falta avaliar, face aos dados já apurados, "quem recorre à medicação e quem está a realizar intervenção psicológica". Joana Santos Rita revela, por outro lado, que agora estão interessadas em perceber quais "os fatores e as estratégias que facilitam a resiliência e o envolvimento dos professores que mantêm níveis elevados de bem-estar" profissional.
Apesar da falta de investimento nesta área e de terem consciência de que "é impossível ter um psicólogo em cada escola", as duas investigadoras defendem a necessidade de "dar o salto para a intervenção" através de "metodologias que partam das experiências boas e más dos professores".
Ivone Patrão salienta que os próprios professores inquiridos no estudo apontam "necessidades formativas": 53% querem formação em gestão de conflitos, 22% em competências comunicacionais e 19% em desenvolvimento pessoal. Embora em menor número, há quem também peça formação em atividades mais dirigidas para os alunos ou para a promoção da saúde física e mental dos estudantes.
Joana Santos Rita garante que "esta oferta formativa não existe", mas "cada escola pode definir as suas próprias intervenções". As comunidades de aprendizagem "podem ser o caminho" e "qualquer escola pode ganhar com uma intervenção em grupo", acrescenta Ivone Patrão.
Apesar da "descrença" e do "desânimo", Luís ainda não perdeu a esperança. Considera "que é fundamental continuar a acreditar" que as coisas vão mudar e que vai conseguir "manter interesses e atividades que compensem o sentimento de perda".
In: Público online
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