segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Medicar sim, mas apenas se necessário

1. Cada vez mais se fala na Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção (PHDA), chegando -se ao exagero de classificar como hiperactiva qualquer criança "que se mexe" ou com défice de atenção qualquer uma que se distraia. Na minha experiência pessoal tenho tido um crescente número de pais e familiares preocupados com essa hipótese, embora na esmagadora maioria dos casos nem se ponha a questão sequer de uma suspeita, dado que são crianças normais e saudáveis, que depois de metidas o dia inteiro em espaços fechados precisam de se expandir e de dar largas à sua energia.Algumas crianças têm esta situação, em que existe uma perturbação da atenção ou um excesso de distracção, associados ou não à hiperactividade.
Durante muitos anos esta síndroma só era diagnosticada depois da entrada no 1.º ciclo, quando a criança começava a dar problemas na sala de aula ou a ter insucesso escolar. Digamos que o sistema operativo das crianças com PHDA não é exactamente o mesmo da maioria, criando alguma dificuldade na gestão da informação e na capacidade de concentração e atenção.
A incidência varia muito conforme as casuísticas - de um a sete por cento, uma variação muito grande, dependente de não se ter definido bem ainda os critérios para, por exemplo, medicar uma criança, o que consagra a situação como doença. Não há dados fiáveis em Portugal, a nível populacional. Os rapazes são mais afectados, numa proporção de perto de cinco vezes mais. Numa numerosa percentagem, os sintomas esvanecem-se uma vez ultrapassada a infância.
2. As crianças com esta síndroma podem ser predominantemente hiperactivas, predominantemente desatentas ou uma mistura mais equilibrada das duas coisas. A componente "falta de atenção" tem de incluir seis dos seguintes sintomas, durando mais de seis meses, num tal grau que causa inadaptação ou problemas, maiores do que o que seria de esperar para o grau de desenvolvimento da criança desta idade:
- Desatenção aos pormenores, e não evoluir, por exemplo, no pormenor dos desenhos;
- Dificuldade em manter a atenção em qualquer actividade, no jardim-de-infância;
- Parecer não ouvir o que se lhe está a dizer;
- Não conseguir obedecer a regras e instruções, designadamente nas actividades de grupo (esperar na fila para lavar as mãos, actividades de teatro ou ginástica, etc.), sem ser por oposição ou negação, mas por impossibilidade de cumprimento;
- Dificuldade em organizar-se no quadro das actividades;
- Evitar aceitar tarefas que obriguem a um esforço mental ou a decorar uma sequência de passos;
- Perder muitos objectos - lápis, livros, jogos, blusões - e esquecer-se onde estão;
- Ser constantemente distraído por estímulos externos - uma mosca, os sons dos automóveis, luzes, telefones a tocar;
- Alhear-se das actividades se não estiver sempre a ser requerida a sua atenção.
3. A componente hiperactividade e hiperimpulsividade deve incluir quatro dos seguintes sintomas, durante pelo menos seis meses, e de intensidade fora do que é de esperar para uma criança desta idade:
- Mexer constantemente os braços e as pernas, remexer-se demasiadamente na cadeira;
- Não conseguir estar sentado na sala do jardim-de-infância;
- Correr, saltar ou trepar "demais", sobretudo em situações inapropriadas e fora do contexto dos outros meninos;
- Dificuldade em jogos ou actividades que exijam calma e estar quieto;
- Impulsividade em querer ser o primeiro em tudo e responder antes sequer de se acabar a pergunta;
- Impulsividade, não conseguindo estar numa fila, sempre a sair, e a ir à frente e atrás.
4. As crianças podem ser rotuladas de mal-educadas, irrequietas, desafiadoras, desinteressadas ou de se "estar nas tintas" para o que os adultos dizem.
Perante uma suspeita, há que confirmar, sem ser "apressadamente", como se faz em alguns centros, e depois medicar, mas apenas se necessário.
Mário Cordeiro
Pediatra

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