Inclusão não é uma palavra unívoca. Ligada de início aos princípios e valores da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH: 1948 ), a sua polissemia foi evoluindo ao longo do séc. XX, com especial desenvolvimento na Declaração Mundial sobre Educação para Todos (EPT: 1990 ), na Declaração de Salamanca na Área das Necessidades Educativas Especiais (DS: 1994 ) e na Declaração de Dakar (DK: 2000 ). A democracia, reafirmando o direito de todos à educação, que a escolaridade obrigatória alargou, trouxe alguma dificuldade em definir o melhor modelo de escola para as crianças e jovens com deficiências ou com limitações nas aprendizagens, inseridas no sistema de Educação Especial (EE). Falar em EE e em deficiências era ligar as pessoas a um estigma que as aponta como inferiores em relação às crianças ditas “normais”. Alguns países optaram por manter as escolas de EE, especializadas, outros integraram todas e todos nas escolas regulares, muitas vezes sem condições mínimas de especialização e adaptação às suas necessidades. O estigma da EE e das “deficiências”, esse transitou para as palavras “inclusão” e “inclusivo”: o desporto ou o teatro “inclusivos” referem-se a pessoas com deficiências.
O problema maior é que a exclusão abrange um universo muito maior, o de todas as pessoas atingidas pelo desemprego, pobreza, guerras sem fim, deslocações, desastres climáticos, enfim, milhões e milhões de pessoas desamparadas, sem capacidade de resposta para a subsistência e muito menos para uma vida digna e confortável. A verdadeira inclusão consiste em cumprir os direitos humanos. Se excluímos não cumprimos. Quem não tem teto, nem pão, nem escola, nem médico, nem justiça, nem sucesso na escola, é porque vive numa sociedade que exclui. Se a escola te reprova, te deixa para trás, exclui-te porque não te sabe orientar nas aprendizagens à tua medida, sem tempo nem paciência para te acompanhar até ao sucesso. Isto é exclusão. Só é preciso falar de inclusão onde a exclusão se torna intolerável.
No plano social, exclusão é ganância, é egoísmo, é desprezo pelos desprotegidos, pelos diferentes, pelos deficientes. A natureza do ser humano é muitas vezes incompatível com a inclusão. Olhamos para o mundo atual e e o que vemos é um interminável e arrepiante mundo de excluídos. Que doem! É possível eliminar a exclusão? Olhando para a humanidade ao longo da sua história diremos que não. Não podemos mudar a natureza do ser humano e o que podemos controlar é muito pouco para as várias dimensões da exclusão, mas desistir só agrava o problema e olhamos para o espaço da educação na esperança de atenuar a natureza excludente que existe no ser humano. A família, a escola, as instituições e empresas, quando funcionam bem, são espaços de proximidade e de afetos que estimulam a inclusão, o que não impede que a violência e o crime possam invadir esses espaços. As religiões, os partidos, os clubes desportivos são tantas vezes campos de rivalidades, de ódios, de guerras sem fim.
Tudo tão presente e à vista de todos. Olhando para o mapa da Europa verificamos que os países com menores índices de exclusão, logo mais inclusivos, são os que primeiro promoveram a escolaridade obrigatória de longa duração, com consequências positivas no desenvolvimento económico. Excluem mais os países pobres. Se olharmos para a África, vemos ainda elevados níveis de exclusão como consequência da dominação estrangeira, do colonialismo, da escravatura, da exploração e apropriação de recursos pelos países dominadores.
A inclusão de populações excluídas e perseguidas foi a solução que um autarca com grande visão encontrou para recuperar o seu concelho. O Presidente da Câmara Municipal do Fundão, Dr. Paulo Fernandes, soube ler as razões do despovoamento, da desertificação e da falta de mão de obra numa região com um enorme potencial para níveis de desenvolvimento superior.
E no entanto, aqui e ali surgem luzes de esperança onde menos se espera. O jornal Público de 11.05.2024 deu grande destaque a um estudo de campo da autoria de Mariana Correia Pinto (texto) e José Sérgio (fotografia), que é o filme, ao vivo e a cores, do modo como um concelho despovoado e pobre soube construir a prosperidade com o contributo de excluídos, imigrantes perdidos na desgraça, perseguidos e ignorados noutros contextos e geografias e que foram o trunfo para tornar uma região pobre e parada no tempo – a Cova da Beira, na Beira Interior – num espaço de prosperidade e progresso. Uma cidade com cerca de 30 mil habitantes, acolheu imigrantes de 74 nacionalidades, assegurando alojamento e as necessidades básicas de alimentação, higiene e bem-estar, passando pela sua formação, integração no tecido produtivo e acedendo a níveis de vida confortáveis. Afinal é possível organizar a Cidade para viver em paz, sem egoísmos, sem desigualdades, sem invejas, sem racismo, sem xenofobias, sem ódios, sem fanatismos.
Nas escolas do Fundão falam-se cerca de 15 línguas diferentes, nada que impeça a inclusão verdadeira, que não é apenas rótulo de um produto falso. A inclusão é o resultado da descentralização, da autonomia e da visão de um autarca que soube ler e melhorar o mundo que o rodeia. É por isso que o Fundão é uma das Capitais Europeias da Inclusão e da Diversidade 2023 escolhida pela Comissão Europeia.
Recomendo vivamente a leitura do artigo citado:
https://www.publico.pt/2024/05/11/local/reportagem/fundao-estendeu-mao-imigrantes-salvar-regiao-2090010
José Afonso Baptista
Fonte: Diário das BeirasDiário das Beiras por indicação de Livresco
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