A investigação tem indicado que o conhecimento lexical exerce uma influência significativa na competência de leitura e escrita. A aplicação deste dado científico desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de estratégias de ensino eficazes. Neste sentido, Incognito e Bigozzi (2023) analisaram a eficácia de um conjunto de estratégias de intervenção em sala de aula para o desenvolvimento do conhecimento lexical de alunos do 2.º ano de escolaridade. Os resultados obtidos revelam benefícios significativos do treino lexical para a promoção da precisão da leitura e da escrita. O estudo, intitulado «Influence of lexical development on reading and spelling skills: Effects of enhancement on second-grade children in primary school», foi publicado na revista Children.
Introdução
O conhecimento lexical exerce, desde tenra idade, uma influência significativa na competência de leitura e escrita. Mas no que consiste exactamente o conhecimento lexical? O conhecimento lexical consiste, muito simplesmente, no conhecimento de palavras. Porém, este conhecimento vai além do reconhecimento de palavras isoladas. Envolve a compreensão profunda e organizada do seu significado, assim como dos respectivos conceitos e definições.
De acordo com a literatura, promover o conhecimento lexical influencia significativamente a aprendizagem da leitura e escrita. Segundo diversos estudos (Andrews, 2008; Bigozzi & Biggeri, 2000; Caro & Mendinueta, 2017; Bigozzi et al., 1997), o aumento do número de palavras do repositório lexical dos alunos melhora a compreensão da leitura, a fluência verbal, a velocidade de leitura e a precisão da leitura e escrita.
O desenvolvimento do conhecimento lexical é considerado um processo natural e contínuo, com início na pronúncia das primeiras palavras. Embora, durante os primeiros anos da criança, a aquisição e o enriquecimento vocabular dependam estritamente das oportunidades de escuta e fala no contexto familiar, após a entrada na educação (pré-)escolar, dependem significativamente do ensino e da prática neste contexto. Neste sentido, diversos estudos têm destacado a importância do ensino intencional do conhecimento lexical, propondo uma intervenção nos processos cognitivos envolvidos na aquisição do léxico (Loftus-Rattan et al., 2016; Seven et al., 2019).
O estudo de Incognito e Bigozzi (2023)
O modelo multidimensional de representação lexical (do inglês Multidimensional Model of Lexical Representation; Boschi et al., 1992) descreve os processos envolvidos na expansão lexical ao longo do desenvolvimento, propondo que, numa fase inicial, as crianças dominam definições simples e elementares, associadas a aspectos concretos e superficiais das palavras, como, por exemplo, redundâncias. Já no decorrer do crescimento, as crianças adquirem competências mais complexas, semelhantes às dos adultos, tais como as competências de nomeação e identificação de sinónimos e antónimos. Com base neste modelo, Incognito e Bigozzi (2023) desenvolveram um programa de intervenção com o objectivo de promover o conhecimento lexical de crianças do ensino básico.
Embora a importância do conhecimento lexical esteja bem estabelecida na literatura, em sistemas escolares como o italiano (citado no artigo), os métodos de ensino geralmente utilizados para aumentar o léxico dos alunos consistem em actividades estruturadas (e. g., actividades de memorização de palavras específicas), focadas mais no crescimento quantitativo (i. e., número de palavras conhecidas) do que no enriquecimento qualitativo (i. e., compreensão profunda e abrangente das palavras). Considerando a importância desta última dimensão, Incognito e Bigozzi (2023) analisaram a eficácia de uma intervenção no conhecimento lexical, focada na aprendizagem e compreensão profunda de palavras. Mais especificamente, os investigadores pretenderam analisar a eficácia da intervenção i) no desenvolvimento da compreensão de texto, velocidade, e precisão de leitura (competência de leitura), e ii) no desenvolvimento da precisão ortográfica (competência de escrita).
Participaram no estudo 74 crianças do 2.º ano de escolaridade de uma escola primária italiana. As crianças foram divididas em dois grupos: i) um grupo experimental com 34 alunos, que foi alvo de intervenção, e ii) um grupo de controlo com 40 alunos, que receberam apenas o ensino regular em sala de aula.
Todas as crianças foram avaliadas individualmente, antes e no final da intervenção, na compreensão de texto, na velocidade de leitura, na precisão de leitura e na escrita. A intervenção foi implementada por um professor, uma vez por semana, com sessões de duas a três horas, durante seis meses. As sessões foram organizadas por dificuldade crescente, e as actividades contemplaram a leitura e a análise de contos de fadas, como o Capuchinho Vermelho, seguidas dos exercícios de treino lexical que se elencam:
- exercícios para ultrapassar tendências assimilativas, com o objectivo de ajudar as crianças a superarem definições simples e elementares, características da infância;
- exercícios de enriquecimento vocabular, direccionados para a promoção de processos inerentes à expansão do vocabulário, como a categorização, funcionalização, sinonímia e antonímia. Em concreto, as crianças definiam as palavras-alvo, incluindo-as em categorias, seguindo-se a organização hierárquica em categorias de nível superior (e. g., «cães são animais») e inferior (e. g., «um dálmata é um cão»). Paralelamente, as crianças foram estimuladas a definir palavras de acordo com as experiências dinâmico-funcionais dos objectos, isto é, a identificar, com base em experiências anteriores, as funções dos objectos assim como as acções que estes permitem realizar;
- exercícios para enriquecer a capacidade de contextualização, com o objectivo de melhorar a qualidade do léxico através do conhecimento das regras que relacionam as palavras entre si. As crianças foram assim incentivadas a usar o contexto para entender não apenas o significado das palavras aprendidas, mas também os diferentes significados de cada palavra.
Principais resultados e conclusões
A intervenção implementada melhorou a compreensão da leitura e diminuiu os erros de leitura e escrita. Segundo os autores (Incognito & Bigozzi, 2023), este efeito pode ser explicado pelo fortalecimento da via semântico-lexical, tal como proposto pelo modelo da dupla via (Coltheart et al., 1993; Coltheart et al., 2001). Especificamente, a intervenção conduziu a um aumento do número de palavras conhecidas, assim como do conhecimento das respectivas formas ortográficas e valor semântico (isto é, robusteceu a disponibilidade e o acesso das crianças à via semântico-lexical). Na leitura, estes ganhos favorecem a compreensão do vocabulário e um padrão articulatório mais célere e fluente. Na escrita, a expansão semântico-lexical permite, por sua vez, aceder directamente às representações ortográficas das palavras.
Com efeito, o desenvolvimento lexical baseia-se fundamentalmente na familiarização com palavras-alvo, na escuta das mesmas e na respectiva repetição em situações que permitam a sua assimilação. Os resultados da intervenção implementada por Incognito e Bigozzi (2023) podem ter surgido em sequência da exposição repetida às palavras-alvo e, não menos importante, da aprendizagem em contexto, considerando a evidência da eficácia desta estratégia.
Posto isto, o efeito positivo da intervenção no conhecimento lexical decorre, segundo os autores, da natureza dos exercícios aplicados, já que exigiram que as crianças se envolvessem, de forma activa, na leitura e escrita de palavras particularmente complexas (como, por exemplo, palavras homófonas) ou que requerem a respectiva organização em categorias. Além disso, os exercícios permitiram uma reflexão acerca das palavras-alvo e respectivos significados, possibilitando, por sua vez, contextualizar o léxico no processamento cognitivo-linguístico mais abrangente. Por último, a estimulação das vias fonológica e semântico-lexical permitiu que as crianças adquirissem informações relevantes para a codificação correcta das palavras em tarefas de leitura e escrita.
Fonte: Iniciativa Educação
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