Entre nós, o debate de questões importantes em matéria de Educação, raramente se faz de forma informada ou transparente. A questão da reformulação dos ciclos de escolaridade, relançada pelo Conselho Nacional de Educação, é uma questão importante e deveria ser tratada como tal, preparando-se uma eventual mudança do que existe sem ser no modo “na Europa é assim e devemos fazer igual”.
Começando pelo princípio: se a ideia é estender a duração do pré-escolar, a melhor opção talvez não seja juntar mais dois anos ao 1º ciclo. Se na Europa a “regra” é um primeiro ciclo de seis anos? Acredito, mas há muita coisa padronizada que nem sempre é a melhor e seria interessante ver porque foi feita essa opção, quando e em que contextos.
Igualmente problemático é ler ou ouvir “especialistas” a dissertar sobre matérias acerca das quais parecem desconhecer detalhes importantes. A mais óbvia é a da alegada passagem de um 1º ciclo com um docente para um 2º ciclo com dez ou doze. Outra é a mistificadora afirmação de que a transição entre estes dois ciclos é “traumática” para as crianças.
Vejamos: a petizada já não tem só um@ professor@ no 1º ciclo, apesar da monodocência oficial. Já existe o Inglês, a Educação Física e não apenas as AEC para eles terem mudanças n@s “professor@s”. No 2º ciclo organizado com alguma lógica, os alunos terão 6 ou 7 docentes, se a turma tiver alunos com Educação Moral e Religiosa.
As contas são simples: Português/Inglês, um docente; História e Geografia de Portugal/Cidadania e Desenvolvimento, um docente; Matemática/Ciências, um docente; Educ. Visual/Educ. Tecnológica, um docente, Educação Musical, um docente; Educação Física, um docente. A Formação Pessoal Social é atribuída a quem for Director de Turma e não acrescenta mais ninguém. Se conseguirem fazer esta complicada soma, encontrarão seis (6) docentes e não o dobro.
Algo diferente é o número de elementos de um Conselho de Turma, se tivermos em conta a Educação Especial, os serviços de Psicologia, se há alunos com Português Língua Não Materna (mas nesse caso não têm Português) ou se existem alguns apoios específicos, com docentes diferentes dos “regulares”. Mas a turma em si, pode ter aulas com apenas seis docentes e turmas com uma dezena de docentes serão excepções mesmo excepcionais.
Se os leitores ainda não perceberam, no nosso actual contexto, o que está em causa num ciclo de escolaridade de 6 anos com um@ professor@ “polivalente” não é o interesse dos alunos, mas o 1 (um@) docente para seis anos de escolaridade. Porque, mesmo no cenário de 6 professores a leccionar uma turma, isso significa uma poupança de mais de 80% em recursos humanos. Se a isso se juntar a ideia de agregar no 3º ciclo várias disciplinas em “áreas” já se percebeu o que está em causa: “emagrecer” a necessidade de docentes, mesmo que isso signifique que o Ensino Básico se torna apenas “Básico”.
Quanto ao pretenso “trauma” da transição dos alunos do 1.º para o 2.º ciclo, seria de esperar que, para além de considerandos na base do “acho que” ou “o meu filho/neto/primo da vizinha diz que”, se apresentassem dados que fundamentassem afirmação tão dramática. Por exemplo, os números do insucesso escolar. De acordo com a tese, esses números deveriam ser no 5.º ano os mais elevados de todo o Ensino Básico.
Mas isso não acontece. Consultando a Pordata, verifica-se que o insucesso no 5.º ano é bem inferior ao verificado em todo o 3.º ciclo, com destaque para o 7.º ano. Remontando a 2001, o insucesso era de 12,8% no 5.º ano e de 21,2% no 7.º; em 2011 os valores eram, respectivamente, de 7,4% e 15,4; em 2021 e 2022, de 3% e 5,7%. Ou seja, a transição para o 7.º ano parece bem mais problemática. Aos especialistas que falam nestes temas não parece óbvio que, se as mudanças a fazer são no interesse dos alunos, provavelmente, a junção entre os 2.º e 3.º ciclos faria mais sentido.
Só que, infelizmente, a discussão das “reformas” na Educação se faz na base de “mitos” úteis para consumo mediático e não tanto em factos demonstráveis.
Paulo Guinote
Fonte: DN por indicação de Livresco
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