Os despertadores das famílias voltam a tocar mais cedo, as campainhas das escolas voltam a ecoar pelos corredores e recreios.
Inicia-se um novo lectivo e à semelhança do ano passado, as máscaras fazem parte do kit da escola. Por entre algumas dúvidas e muitos receios, perspectivam-se rasgos da dita antiga normalidade que alternam com evidências dos tempos da actual pandemia, construindo uma realidade híbrida, como agora tudo parece ser.
Enquanto psicóloga clínica estou menos preocupada com os conteúdos curriculares em atraso e mais inquieta com a perpetuação de máscaras e de pais à porta. Preocupa-me mais a repetição de alguns erros já feitos e estes muros elevados entre famílias e escolas. Há estabelecimentos de ensino que fazem uma interpretação das directrizes em vigor, que parece legitimá-los a proibir a entrada dos pais na escola, mesmo em situações de adaptação de crianças pequenas. Outros que procuram resgatar a noção de equilíbrio e dos verdadeiros superiores interesses da criança.
Percorro os planos curriculares e os planos de formação dos professores e continua a ser escassa ou inexistente a presença de conteúdos promotores de inteligência emocional, atenção plena e saúde psicológica. Pede-se que os mais novos saibam os rios de Portugal mas não se pede que nomeiem as emoções primárias. Pede-se aos professores flexibilidade e resiliência mas não se ensina como mobilizar essas competências internas.
Cada família, cada turma e cada escola vivenciaram o último ano e meio de pandemia de uma forma particular. Necessidades variadas surgiram, muitas delas ainda por responder. Alterações de comportamento que se normalizam à força pela fase de desenvolvimento, desatenção e dificuldades de aprendizagem que se rotulam de “gerais”, falta de competências sociais que se ignora, quebra de laços entre crianças e adultos que se julga ser reversível e horas imensas de ecrã que se julgam inevitáveis.
É fundamental, por isso, que nos próximos meses se reclame o nosso poder de fazer diferente. Todos, cada um à sua escala. É urgente ensinar-se a nomear, legitimar e regular emoções. É crítico premiar-se o erro e a oportunidade de aprendizagem que acarreta ao invés de o punir e julgar. É importante criar-se espaços de comunicação eficaz entre crianças, famílias e escola. É determinante levar práticas de meditação mindfulness e de inteligência emocional para o programa curricular. É crucial que o número de psicólogos clínicos disponíveis para crianças, professores e famílias aumente.
Neste início de ano lectivo há, também, que voltar a reintroduzir mais o papel nas rotinas diárias dos mais novos. Os equipamentos electrónicos podem ser úteis e didácticos, com um uso consciente e monitorizado pelos adultos. Contudo, nada substitui a experiência de segurar num lápis ou caneta, treinar a motricidade fina e sentir o papel. Nada é idêntico a colorir no papel, com mais e menos força. Nada se equipara a histórias contadas em livros impressos, a teatrinhos de fantoches feitos em cartolina. Ler, escrever e desenhar em papel estimula os sentidos e aumenta os níveis de concentração e criatividade. Crianças e adultos podem fortalecer os seus laços em torno de actividades em papel, que potenciam o foco e maior envolvimento de todos.
Neste novo ano lectivo, troque os ecrãs por papel, troque os tablets por livros impressos, troque os telemóveis por lápis de cor. A cada dia, pergunte mais vezes: “Como é que te sentiste hoje?” Abra espaço a todas as emoções, as mais e menos agradáveis, sem julgamento, apenas com curiosidade e compaixão. E dê o exemplo enquanto adulto, sendo mais gentil consigo mesmo.
Filipa Jardim da Silva
Fonte: Público por indicação de Livresco
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