Apesar de ter boas notas a todas as disciplinas, João achava que "a escola era uma seca". O aluno do 4.º ano queixava-se à professora, aos pais, à psicóloga. Não percebia "porque é que tinha de aprender Português e Matemática, para o que é que aquilo servia". Ia triste e aborrecido para as aulas, o que deixava os pais angustiados. "Há crianças que se motivam pelo simples gosto de aprender, mas outras não. Tive de trabalhar com ele a utilidade, dar-lhe exemplos práticos para lhe mostrar para o que servia a escola", conta (...) a psicóloga Cátia Teixeira.
João está longe de ser um caso isolado. Um mês após o início das aulas, frases como "a escola é uma seca" ou "não gosto da escola" são repetidas diariamente por muitas crianças e adolescentes. Em causa podem estar diversas razões, como dificuldades na aprendizagem, desinteresse pelos conteúdos, problemas com os pares ou demasiada pressão. Para ajudar as crianças, os pais devem perceber a origem do problema e tentar arranjar estratégias para as motivar. Um desafio também para os professores.
"Os pais devem tentar perceber o que está por trás dessa verbalização. Pode ser a metodologia dos professores, os horários, os colegas. Também pode ser insegurança, algum tipo de medo, algo no contexto familiar", indica Inês Afonso Marques, coordenadora da área infantojuvenil da Oficina de Psicologia. Por vezes, prossegue, a origem está dentro da própria sala de aula, já que "há aulas que são muito longas, muito expositivas. A criança não se sente parte ativa do processo de aprendizagem".
Se uma criança diz que não quer ir à escola é porque algo não está bem. "Sentir-se excluído é um fator que a qualquer criança provoca o não querer ir à escola. Pode sentir-se excluída das aulas, porque não as consegue acompanhar, ou dos amigos porque não joga bem à bola. São pequenos exemplos que diariamente acontecem", refere Renato Paiva, pedagogo e diretor da Clínica de Educação.
Inês Afonso Marques diz que este tipo de comportamentos "aparecem cada vez mais cedo". "Por natureza, o ser humano gosta de aprender, mas há cada vez mais crianças no primeiro ciclo que dizem que a escola é uma seca. É algo que me assusta, porque começar o percurso escolar com resistência é complicado." Na opinião de Renato Paiva, é uma situação mais frequente no 2.º ciclo, no qual "a escola tem um registo diferente, com muitos professores, mais sobrecarga de horários, mais trabalhos, mais testes, mais exigência, em que se torna mais difícil conciliar a vida académica com a vida pessoal".
Motivar, motivar, motivar
Depois de perceberem o que é que leva a criança a não gostar da escola, os pais devem arranjar forma de a ajudar a motivar-se. "No dia-a-dia, devem mostrar a utilidade do que aprendem na escola, de uma forma descontraída", sugere Cátia Teixeira, psicóloga da área infantil. Partilhar experiências negativas dos seus tempos de estudante não será uma boa opção. "Frases como "devias ter vivido no meu tempo, levávamos umas belas reguadas" só reforçam a ideia negativa da escola", explica. Segundo a psicóloga, a criatividade é essencial nestas situações. "Quando estão a fazer um bolo com a criança, por exemplo, devem mostrar que há muitos conceitos escolares que se adaptam, nomeadamente da Química e da Matemática".
Se por um lado os pais devem estimular a curiosidade e ajudar a criança a concentrar-se, por outro, diz a psicóloga Inês Afonso Marques, os professores "devem adequar o método de ensino aos alunos, porque estes não aprendem todos da mesma maneira. As crianças gostam de aprender fazendo, por isso devem mostrar a aplicação prática dos conteúdos. Se forem verdadeiros contadores de histórias, o ensino torna-se divertido".
Na base do problema está, por vezes, a pressão que é colocada pelos encarregados de educação. "Às vezes parece que o único interesse dos pais é a escola. Só perguntam como correu a escola, se têm trabalhos de casa, se já estudaram. Não perguntam à criança se se divertiu, qual foi a coisa mais gira que aprendeu, se quer ir pesquisar sobre alguma coisa, visitar um sítio do qual falaram. Por vezes a criança sente-se tão pressionada para ter bons resultados que surge a ansiedade, a depressão." E há crianças que em vez de verbalizações, "começam a somatizar: dizem que não querem dormir, que têm dores de barriga, que não querem comer".
Como a motivação para a escola está relacionada com o sucesso na mesma e fora desta, Renato Paiva considera que "é fundamental conciliar a escola com alguma atividade que seja prazerosa para a criança ou adolescente". Há ainda "situações em que a desmotivação deriva de um insucesso persistente, e aí importa perceber a origem. Pode ser por falta de esforço como por alguma dificuldade específica na aprendizagem".
Fonte: DN por indicação de Livresco
Sem comentários:
Enviar um comentário