quarta-feira, 14 de junho de 2017

Indiferentes à diferença?

As escolas fazem um trabalho notável no âmbito da Educação Especial (EE), mérito dos professores respetivos, técnicos e assistentes operacionais (vulgo funcionários) que se entregam na plenitude para dar a melhor resposta a quem, como perfil, apresenta "limitações significativas de caráter permanente" que "resultam em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, aprendizagem, mobilidade, autonomia, relacionamento interpessoal e participação social".

O número de alunos sinalizados com necessidades educativas especiais (NEE) tem aumentado de uma forma, porventura, descontrolada (todos os anos cresce na ordem dos milhares - apenas este ano letivo contabilizou 4441 novas elegibilidades) - em contraciclo com a diminuição do número global de discentes -, julgando que algumas sinalizações (devidas a problemas de comportamento ou dificuldades transitórias de aprendizagem) possam estar a ser (mal) encaminhados para a EE.

Se assim for, estamos a desviar recursos (humanos e logísticos) daqueles que verdadeiramente necessitam, e a não acautelar os interesses de uma franja de alunos cuja intervenção não passa pela EE, mas antes pela adoção de metodologias, estratégias, recursos e abordagens terapêuticas mais apropriados...

As terapias destinadas aos alunos com NEE desempenham um papel preponderante e o trabalho no terreno é realizado com qualidade, em estreita parceria com os diversos intervenientes no seu processo educativo e reabilitativo.

Porém, as pausas letivas, sobretudo as tradicionais "férias grandes" deitam muito a perder, pois estes discentes são considerados pela sociedade "especiais" só em tempo de aulas...lamentável! Sendo um trabalho alicerçado na estruturação e na consistência da intervenção, nas repetições e na persistência, como se entende a ausência das terapias e outras valências, aquando da interrupção das atividades letivas? Alguém beneficia com a paragem destes alunos entre junho e outubro?

Os professores e terapeutas que com eles trabalham dizem-nos que, para além de não progredirem, muitas destas crianças e jovens revelam regressões, bem como episódios de desestruturação emocional, atirando por água abaixo o trabalho efetuado nas escolas, cujo valor é inestimável.

Talvez por isso, em Vila Nova de Gaia, a Câmara Municipal lançou o Projeto Gai@prende+I (que "pretende adaptar os programas às crianças com NEE"), após ter no terreno atividades para todas as crianças, quer no período não letivo (7.30 h até às 9 h e no fim das aulas), quer nas pausas, incluindo as férias de verão. É um exemplo muito feliz de sensibilidade e preocupação com os alunos, mas também com os cidadãos a tempo inteiro, a quem, mais que ninguém, a inoperância decorrente da paragem forçada é prejudicial ao seu bem-estar e desenvolvimento físico, emocional e intelectual.

Outro investimento a "fundo perdido" (e quantas vezes esbanjado...), para além da situação acima relatada, ocorre com os casos graves e severos, a quem é aplicada a medida currículo específico individual, particularmente no que respeita aos alunos frequentadores das unidades de multideficiência e as de ensino estruturado para a perturbação do espetro do autismo. O dinheiro aplicado pelo Governo através do Ministério de Educação é desperdiçado quando estes jovens, cidadãos do mundo, atingem os 18 anos e... passam para a tutela do Ministério da Casa - o primeiro dia do resto das suas vidas! Ou seja, chegados à maioridade, são obrigados a deixar a escola, onde obtiveram progressos visíveis, e vão para um lugar que, apesar de normalizado no século passado, afigura-se criminoso no presente: a casa.

Os sucessivos governos têm desprezado a realidade e a sociedade enfia a cabeça na areia, pouco preocupados com estes jovens especiais e, também, com os seus pais, eternos encarregados de educação, cuidadores que desesperam face à incerteza com que equacionam o amanhã dos filhos, que lhes apresenta perspetivas desoladoras e cruéis, pois a impossibilidade de frequentarem uma instituição especializada é o drama imerecido.

Não existindo, por enquanto, o Ministério da Casa (!), será pedir muito aos nossos governantes que cuidem do futuro destas pessoas? Continuaremos a ser indiferentes à diferença? Quem lucra com a existência e criação de barreiras à inclusão?

Filinto Lima

PROFESSOR/DIRETOR

Fonte: JN

1 comentário:

Anónimo disse...

Em relação à questão das interrupções letivas na minha opinião era ou deveria ser um campo de intervenção dos CRI´s, colmatando o espaço das escolas, isso sim seria uma boa articulação escola/CRI.

Alias sou defensor da seguinte ideia de articulação escolas/instituições.

Os alunos com nee cumpririam o seu currículo académico na escola, no final do seu período escolar deslocariam-se para as instituições onde teriam as terapias e ao mesmo tempo, as instituições dariam uma resposta que todos os pais necessitam, o período pós-escolar. Salvo excepções é claro.