Este fenómeno (da indisciplina) não é, contudo, apenas português, observando-se, hoje, em vários países da Europa. Os pais acusam a escola de não conseguir desempenhar o seu papel educativo junto dos seus filhos; os professores atribuem a indisciplina à falta de regras que as crianças e jovens têm em casa, o que se reflecte depois na escola e prejudica a aprendizagem.
Em Março deste ano, num encontro realizado na cidade espanhola de Valência um grande número de especialistas em educação, defendeu que o aumento da violência e da indisciplina nas escolas resulta, sobretudo, de uma crise de autoridade familiar. Os pais não estabelecem regras e limites em casa e transferem essa responsabilidade para os professores.
Nessa reunião, o filósofo Fernando Savater, autor do livro “Ética para um Jovem”, notou que a generalidade dos pais das sociedades actuais condicionados pelo pouco tempo que habitualmente passam com os filhos, preferem que esse convivio “seja alegre” e sem conflitos, preferindo transferir a responsabilidade do exercício da autoridade para as escolas e para os professores. Só que, quando os professores tentam desempenhar esse papel “são os próprios pais e mães que não exerceram essa autoridade sobre os filhos que tentam exercê-la sobre os professores, confrontando-os”, nota Savater. Alerta para a situação de professores “psicologicamente esgotados” que se transformam “em autênticas vítimas nas mãos dos alunos”. E salienta: “A boa educação é cara, mas a má educação é muito mais cara”, diz não se referindo apenas ao aspecto económico do problema mas a todas as consequências que podem resultar da indisciplina. Savater recomenda aos pais a necessidade de transmitirem aos seus filhos a ideia de que receber uma educação é “uma oportunidade e um privilégio”.
O fenómeno da indisciplina nas escolas também não é de agora. O psiquiatra e psicanalista João dos Santos, uma referência na área da saúde mental e da educação, conta no seu livro “Ensaios sobre Educação” publicado em 1991: “Quando o meu
filho mais novo andava no 6º ano, recebi uma vez um postal do senhor director do ciclo, a dizer: ‘o seu filho foi expulso da aula de trabalhos manuais por estar a brincar’”, relata. “Vai daí, eu disse: ‘desculpe, senhor director, sempre julguei que as aulas de trabalhos manuais eram para brincar... mas se houve uma questão mais séria, se ele faltou ao respeito a alguém, isso não é coisa que se mande dizer num bilhete postal”, escreve João dos Santos, prosseguindo: “devia, quando muito, vir numa carta confidencial... Se o assunto é assim tão sério, deviam conversar comigo, para me explicar como e porquê eu lhe devo dar a carga de tareia que o tom seco do postal sugere.” E o psicanalista confidencia: “Tive ainda vontade de dizer mas calei-me a tempo de não ofender: ‘Eu, quando o meu filho me faltar ao respeito, chego-lhe...e os senhores? Ficam-se?’. Ficou assim esclarecido que João dos Santos se recusava a castigar o filho “por conta ou por razões de outrem”. No seu entender, “o director tinha autoridade mas não sabia aplicá-la senão através do burocratismo que o impedia de funcionar em termos de relações humanas. Era o porta voz da escola, que exigia aos pais que disciplinassem a escola...”, escreve o médico psicanalista, numa mensagem dirigida a pais e professores.
Texto completo em Público online
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