Foi uma das bandeiras da criação da escola pública. Laica, gratuita e universal: a criação de uma maior equidade entre os alunos. A escola pretendia, assim, que as gritantes desigualdades de nascimento, de riqueza e de meio ("capital") cultural fossem aplanadas por um sistema de ensino que daria a todos o mesmo. A escola elege-se como uma estrutura que, ao contrário da sociedade, dá a todos o mesmo. É uma estrutura que se assume, por natureza, como uma estrutura benigna, redutora das desigualdades e promotora de uma nova justiça: não já a justiça da competição, do nascimento, do poder, do dinheiro ou da influência, mas sim o poder da capacidade, da vitória dos efectivamente mais capazes. Mais capazes, não como a reprodução das desigualdades da sociedade, mas sim com uma nova distribuição do poder agora baseado no que cada um podia (à semelhança da parábola bíblica dos talentos) fazer com aquilo que tinha disponível e que era, teoricamente, o mesmo que todos os outros.
Teoricamente, sim, mas como a investigação e a estatística eloquentemente mostraram, este esforço de dar a todos o mesmo gorou-se porque a possibilidade de receber o que era dado era muito diferente. Se usássemos uma metáfora de volume, o que cada aluno pode receber é diferente em volume e na forma do recipiente. Assim, falar em equidade na escola de hoje é o mesmo que falar no desafio que a escola enfrenta não de dar o mesmo a todos mas de dar a todos, e da melhor maneira, o máximo que poderem receber. Evoco o livro de David Justino "Difícil é Educá-los" (Editora FFMS, 2010) quando se refere à equidade como um objectivo central da Educação: "... o que hoje sabemos da investigação científica (...) é que para além do papel preponderante do capital familiar no sucesso dos alunos, há outros factores que fazem a diferença, desde a escola, a qualidade competência dos seus professores, a organização do sistema de ensino, o papel da comunidade e das relações sociais de proximidade, e, não menos importante, a capacidade de todos poderem gerar expectativas elevadas e oportunidades sociais que as realizem" (p.89). Mais adiante diz: "Um bom professor, tal como uma boa escola, é aquele que consegue contrariar o determinismo sociológico do estatuto socioeconómico familiar pela qualidade do seu ensino, pela forma como potencia as aprendizagens, pelas expectativas que consegue criar e pelas capacidades que consegue desenvolver nos alunos" (p.91-92).
É esta, em larga medida, a missão do professor de Educação Especial: criar expectativas positivas e fundamentadas sobre o percurso escolar de alunos, de quem muitas vezes já muitos outros desistiram. Ao criar estas expectativas, ao potenciar estas aprendizagens e capacidades, o professor de Educação Especial mostra o que é que a escola deve ser em termos de equidade: uma estrutura que apesar do seu passado é capaz de olhar de forma personalizada para os seus alunos, para o seu percurso, necessidades e possibilidades de se realizarem como seres humanos. Precisamos para isso de uma escola que se assuma como uma estrutura que lida com pessoas de corpo inteiro e não com crianças que irão ser pessoas. A equidade constitui, no ponto de vista ético, um profundo e autêntico respeito pelo que a pessoa é, apoiando a construção de um projecto de vida criativo, participativo e exigente. Desconstruído o mito da escola igualitária pela homogeneidade, é este talvez o grande desafio da escola inclusiva.
David Rodrigues
Presidente da PIN-ANDEE
(Retirado do Editorial da Newsletter 2/2011 da Pró-Inclusão)
3 comentários:
:) Um abraço
Obrigado! Retribuo! :)
Espero que o Ministério da Educação não se lembre de cortar também nos profs de educação especial. Na verdade necessitariamos, na maioria dos casos, do dobro dos professores nesta área para dar um apoio consistente aos alunos.
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