Os adolescentes com dislexia enfrentam frequentemente dificuldades na compreensão da leitura, a par de défices na fluência. No entanto, apesar destes défices, alguns destes adolescentes conseguem atingir níveis de compreensão adequados, fenómeno designado por resiliência na compreensão da leitura. O estudo de Lefèvre e colaboradores (2025) procurou perceber de que forma o vocabulário, a compreensão auditiva e o nível socioeconómico contribuem para essa resiliência em adolescentes com dislexia, oriundos de contextos desfavorecidos. Participaram 95 alunos, do 9.º ao 11.º ano de escolaridade, e os resultados da investigação estão publicados no artigo «Reading comprehension resiliency in adolescents with and without dyslexia relates to vocabulary, listening comprehension and socioeconomic status» da revista Learning and Instruction.
Introdução
A dislexia é um problema de aprendizagem que afeta a fluência da leitura, a descodificação de palavras e a ortografia. Embora as competências de descodificação e compreensão geralmente estejam associadas, uma percentagem significativa de pessoas com dislexia alcança uma compreensão leitora acima do que se poderia prever. Isto é reconhecido na literatura científica como resiliência na compreensão da leitura (Jackson & Doellinger, 2002)., i. e., a capacidade de compreender bem um texto mesmo com dificuldades na leitura em voz alta ou na leitura rápida.
Estudos anteriores sugerem que esta resiliência pode dever-se a boas capacidades linguísticas orais, especialmente no que diz respeito à semântica (e. g. vocabulário e compreensão auditiva) (Welcome et al., 2009). A investigação mostra ainda que o nível socioeconómico influencia significativamente o desenvolvimento da linguagem. As crianças de famílias com nível socioeconómico elevado tendem a ser mais expostas a uma linguagem rica e variada, o que favorece o desenvolvimento da compreensão oral e do vocabulário. Por outro lado, crianças de meios desfavorecidos têm maior risco de dificuldades linguísticas e de leitura. Essas disparidades no ambiente linguístico ajudam a explicar a associação entre baixo nível socioeconómico e capacidades verbais reduzidas. Assim, o nível socioeconómico surge como um factor preditor precoce das competências verbais, como o vocabulário e a compreensão auditiva (e. g. Carlie et al., 2024; Fernald et al., 2013).
Quando se juntam as dificuldades de processamento fonológico, na dislexia às desvantagens linguísticas associadas ao baixo nível socioeconómico, aumenta-se o risco de dificuldades graves na leitura (Catts & Petscher, 2022).
Estudo de Lefèvre e colaboradores (2025)
O estudo investigou de que forma o vocabulário e a compreensão auditiva ajudam a explicar a resiliência na compreensão da leitura em adolescentes com dislexia, sobretudo quando pertencem a níveis socioeconómicos desfavorecidos.
Participantes: dois grupos de adolescentes franceses, do 9.º ao 11.º ano.
- Grupo com dislexia: n = 56 (31 do sexo feminino e 25 do sexo masculino);
- Leitores típicos: n= 39 (30 do sexo feminino e 9 do sexo masculino).
Para o grupo com dislexia, exigia-se um diagnóstico formal. Nenhum participante tinha histórico de lesão cerebral, défices auditivos ou visuais não corrigidos.
Os grupos foram equiparados quanto à idade cronológica (de 12,7 anos a 18 anos) e ao raciocínio não-verbal.
Nenhum participante obteve resultados abaixo do percentil 5 em testes de vocabulário e compreensão verbal, o que garantiu a exclusão de casos com perturbação do desenvolvimento da linguagem, condição frequentemente comórbida (i. e, que co-ocorre) com a dislexia.

Tabela 1. Instrumentos
Principais resultados
Na comparação entre os grupos, não foram encontradas diferenças significativas na compreensão leitora. Este resultado confirma a resiliência na compreensão leitora em adolescentes com dislexia. Isto é, apesar de dificuldades claras na fluência da leitura e na consciência fonológica, adolescentes com dislexia conseguem ter bons níveis de compreensão leitora, reforçando a ideia de que a dislexia afeta a descodificação das palavras, mas não necessariamente a compreensão.
Além disso, o vocabulário e a compreensão auditiva estavam preservados nos participantes com dislexia, o que sugere que as dificuldades semânticas não são uma característica central da dislexia, mas sim uma consequência de menor exposição à leitura.
Os resultados sugerem que a resiliência na leitura decorre do uso estratégico das capacidades semânticas para compensar as dificuldades de leitura (por exemplo, deduzindo o sentido do texto através do conhecimento prévio e do vocabulário, mesmo lendo devagar — semantic bootstrapping). Por outro lado, a ausência daquelas capacidades pode levar a um perfil típico de maus compreendedores — com boa fluência, mas compreensão deficitária.
O estudo concluiu ainda que o nível socioeconómico influencia indiretamente a compreensão da leitura, através do seu impacto no vocabulário e na compreensão auditiva. Contextos familiares mais ricos em estímulos linguísticos favorecem o desenvolvimento de capacidades semânticas; contextos mais desfavorecidos representam um risco adicional, uma vez que a qualidade e a quantidade das interações linguísticas precoces afetam o desenvolvimento da linguagem. Neste sentido, crianças de níveis socioeconómicos mais desfavorecidos podem desenvolver perfis semelhantes aos dos maus compreendedores; enquanto crianças de nível socioeconómico elevado, ainda que com dislexia, podem apresentar maior resiliência na compreensão leitora, o que evidencia o papel crítico do ambiente familiar. Intervenções familiares precoces, centradas na interacção pais-filhos, podem impulsionar significativamente o desenvolvimento da linguagem (Leung et al., 2020). Alguns programas escolares também têm sido eficazes em aumentar o vocabulário e o conhecimento semântico.
Conclusões e Implicações para a prática
- As capacidades semânticas bem desenvolvidas (vocabulário e compreensão auditiva) ajudam a compensar défices na leitura em adolescentes com dislexia, permitindo uma boa compreensão de textos.
- O nível socioeconómico influencia o desenvolvimento do vocabulário e da compreensão auditiva, tornando-se um factor de risco ou protecção para a resiliência na compreensão leitora.
- As estratégias de intervenção devem apostar no desenvolvimento da linguagem oral e no ensino do vocabulário, sobretudo em contextos socioeconómicos desfavorecidos, para apoiar não só os alunos com dislexia, mas todos os alunos em risco de dificuldades na leitura.
Este texto é um resumo do artigo «Reading comprehension resiliency in adolescents with and without dyslexia relates to vocabulary, listening comprehension and socioeconomic status», disponível aqui.
Fonte: Iniciativa Educação
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