sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Em que acreditam os professores? Alguns mitos sobre a aprendizagem

Juan G. Fernández, Agustín Martínez-Molina, Miguel A. Vadillo e Marta Ferrero da Universidade Autónoma de Madrid (Espanha) examinaram as crenças que os professores têm sobre educação e que podem afetar a maneira como ensinam. No seu estudo, publicado na revista científica Teaching and Teacher Education, os investigadores inquiriram cerca de três mil professores espanhóis sobre as suas ideias de educação e aprendizagem.

Os investigadores começaram por fazer uma busca sistemática da literatura, e analisaram 189 artigos científicos que tinham utilizado questionários a professores para avaliar as suas crenças e conceções erradas. Destes artigos, extraíram 27 afirmações sobre educação e aprendizagem — 14 corretas (por exemplo, «a prática distribuída no tempo é melhor do que concentrada») e 13 incorretas (por exemplo, «um texto sem ilustrações não motiva os alunos a aprender»). Estas afirmações foram usadas para construir um questionário, partilhado no Twitter (agora X) e enviado a todas as escolas públicas e privadas de Espanha, entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023. No questionário, pedia-se aos professores que avaliassem o grau de concordância com cada afirmação, numa escala de 1 (discordo completamente) a 6 (concordo completamente). Os investigadores obtiveram 3158 respostas válidas, com representação de professores do ensino pré-escolar, primário e secundário, bem como de bacharelato e do ensino profissional.

As respostas ao questionário revelaram que os professores tendiam a concordar com as afirmações corretas, apoiadas pela ciência. Aquelas com que os professores mais concordaram foram «procurar exemplos relacionados entre si promove a aprendizagem», «perguntar-se “como?” e “porquê?” enquanto se estuda é uma forma eficiente de aprender» e «combinar palavras e imagens enquanto se estuda é melhor do que usar só palavras ou só imagens». No entanto, os professores não concordaram com algumas afirmações apoiadas pela ciência. As afirmações corretas que receberam menos pontos foram «a inteligência é a característica que melhor prediz o desempenho escolar», «os alunos são maus juízes do seu próprio conhecimento» e «há pouca evidência que suporte a aprendizagem por projetos na educação básica.» Esta afirmação, assim como «conhecer factos é importante, ainda que possam ser pesquisados na Internet», foram aquelas em que a concordância dos professores mais variou.No caso das afirmações incorretas, sem suporte científico, os professores rejeitaram as ideias «o ensino online pode substituir o ensino presencial sem prejudicar a aprendizagem» e «há períodos cruciais na infância, depois dos quais certas coisas já não podem ser aprendidas». Pelo contrário, os professores não rejeitaram as afirmações incorretas «exercícios de coordenação e habilidades motoras e percetivas melhoram as habilidades cognitivas», «emoções intensas na aula tornam a aprendizagem mais memorável» e «os alunos aprendem melhor se descobrirem coisas por si próprios do que através de instrução direta». A concordância dos professores com as afirmações incorretas sem suporte científico variou bastante, especialmente em afirmações sobre a possibilidade de se ensinar pensamento crítico sem recurso a conteúdos concretos e a importância de se adaptar o modo de ensino à inteligência predominante de cada aluno (isto é, uma falsa noção, semelhante à dos estilos de aprendizagem).

De modo geral, os professores identificaram corretamente dois terços das afirmações — mostrando pouco acordo com 8 em 13 afirmações sem base científica e elevado acordo com 10 em 14 afirmações com base científica. Os professores do ensino pré-escolar e primário tenderam a concordar mais com as afirmações incorretas do que os professores que ensinam crianças mais velhas. Os autores do estudo sugerem que a formação universitária distinta dos professores nos vários níveis de ensino possa influenciar os resultados, o que apontaria para a importância de ensinar estratégias de aprendizagem baseadas em ciência em todos os cursos de Educação, mesmo nos de Educação de Infância.
Conclusão

Este estudo não é universal, e a realidade espanhola não é necessariamente igual à realidade portuguesa. Além disso, algumas das afirmações utilizadas são ambíguas e podem ter sido interpretadas de modo diferente pelos professores que responderam ao questionário. Por exemplo, os professores concordaram com a afirmação «combinar palavras e imagens enquanto se estuda é melhor do que usar só palavras ou só imagens», que é catalogada como correta pelos investigadores; no entanto, sabemos que os efeitos desta estratégia dependem de como o texto e as imagens se complementam. Além disso adicionar imagens irrelevantes pode mesmo dificultar a aprendizagem (e.g., Mayer et al., 2021), pelo que saber que os professores concordam com esta afirmação não nos diz se, na prática, sabem implementá-la.

Portanto, não será produtivo focarmo-nos em demasia nas afirmações que os professores espanhóis identificaram ou não como corretas. De qualquer modo, o estudo mostra a importância de tentar compreender as ideias erróneas que alguns professores poderão ter sobre as melhores formas de ensinar e, sobretudo, a importância de uma formação de professores, a todos os níveis de ensino, que aponte explicitamente estratégias fundadas nas ciência que melhoram o desempenho dos alunos e noções em que tendemos a acreditar, mas que não têm base científica. Nem sempre isso acontece, e algumas ideias erróneas podem ser adquiridas na própria formação inicial dos futuros professores. Este estudo aponta ainda a importância da literacia científica, para que os professores possam traduzir resultados científicos em práticas educativas. Os cursos de formação profissional que facilitem a literacia científica podem contribuir para adotar estratégias de ensino baseadas em ciência. Estas, por sua vez, resultam numa melhor aprendizagem.

Ludmila Nunes

Fonte: Iniciativa Educação

Sem comentários: