Ao longo desta semana, temos publicado uma série de artigos sobre os sectores públicos onde a máquina do Estado mais tem falhado — sobretudo pela dificuldade em atrair e captar mais profissionais. Já falámos sobre os técnicos de reinserção social, os oficiais de justiça e de registo, os magistrados e os profissionais de saúde. Nos próximos dias, chegaremos à Educação, em particular, à falta de professores e de assistentes operacionais nas escolas e ao impacto que isso tem na educação inclusiva, em particular nos alunos com necessidades específicas.
Alunos com deficiência, perturbações do espectro do autismo, dislexia ou hiperactividade precisam, muitas vezes, de medidas adicionais: apoio psicopedagógico reforçado, adaptações curriculares ou terapias específicas. Mas, quase dois meses após o início do ano lectivo, há escolas que continuam sem todos os professores de Educação Especial de que necessitam. Há turmas e centros de apoio sobrelotados, faltam assistentes operacionais e muitas terapias não estão a ser asseguradas. Há alunos sem o acompanhamento adequado e pais preocupados com o desenvolvimento dos seus filhos.
Como me disseram vários professores, o ensino que está a ser prestado a estas crianças com necessidades específicas está longe do que deveria ser. “Nós, professores de educação especial, sentimo-nos a enganar os encarregados de educação. Apesar de alertarmos, não estamos a prestar o serviço que deveríamos prestar aos alunos. Estamos a fazer um acompanhamento de armazém em que recebemos os alunos e estamos a acompanhá-los só para chegarem ao fim do dia sem problemas”, disse-me Rui Foles, professor de Educação Especial, que, no ano passado, apresentou uma escusa de responsabilidades por trabalhar há meses numa unidade de ensino estruturado sobrelotada.
Há um mês, à porta do Ministério da Educação, em Lisboa, o Movimento por uma Inclusão Efectiva voltou a denunciar esta realidade. Mesmo depois de a Assembleia da República ter debatido a petição pública Por uma Inclusão Efectiva nas Escolas, nenhuma das medidas propostas foi, até agora, implementada. O movimento exige a fiscalização do decreto-lei 54/2018, que estabelece o regime jurídico da educação inclusiva.
Em 2022, um relatório da OCDE sobre a educação inclusiva em Portugal reconhecia que existia “um compromisso generalizado com os princípios da diversidade, equidade e inclusão”, mas alertava para grandes disparidades nas práticas das escolas. O documento apontava várias fragilidades: a insuficiente preparação inicial e contínua dos professores em inclusão, e uma visão ainda demasiado limitada da diversidade, centrada apenas nos alunos com necessidades educativas especiais.
E deixava algumas recomendações: a criação de uma estrutura coordenada de apoio local às escolas e aos agrupamentos na promoção da equidade e da inclusão, a construção de um sistema de financiamento “coerente”, o reforço da monitorização e avaliação da educação inclusiva, a melhoria da formação, do recrutamento, retenção e atractividade da profissão docente.
No dia da manifestação, o ministro da Educação, Fernando Alexandre, reconheceu que, tal como noutras áreas do sistema educativo, também na educação inclusiva há falhas. Comprometeu-se a reforçar os meios disponíveis nas escolas e anunciou que está em curso uma avaliação a este regime, que deverá estar concluída até Outubro. Contudo, as eventuais alterações só deverão ser implementadas no próximo ano lectivo.
Até lá, para muitos pais e alunos, as dificuldades continuarão.
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