Inês Guimarães tem 24 anos. Sempre tratou a Matemática por tu, mas foi o professor do 7º ano que a fez apaixonar-se pelos números. Aos 17 criou o primeiro canal de YouTube em Portugal integralmente dedicado à Matemática, o Math Gurl, e até já escreveu um livro sobre o assunto (Desafios matemáticos que te vão enlouquecer).
Em 2018, numa entrevista à TVI, desmistificava este gosto meio atípico para jovens da idade dela. “Há muitos estereótipos, muitas ideias pré-concebidas que as pessoas têm da Matemática. Que são só pessoas malucas, com óculos, que não fazem mais nada na vida. Na verdade, não. Toda a gente tem as suas pancas… ok também há matemáticos malucos, mas somos pessoas normais que gostam de Matemática, como outros gostam de futebol, de História ou de Português”, dizia.
Mas nem todos têm com a Matemática a intimidade que Inês demonstra nos vídeos do Math Gurl. Aliás, a maioria olha para a disciplina e suas derivadas com muitas reservas e isso reflete-se nas classificações. Na segunda fase dos exames nacionais, cujos resultados foram divulgados em agosto, Matemática A teve média negativa (9,8), com uma descida abissal em relação aos resultados da primeira fase (média de 11,9), assim como Matemática Aplicada às Ciências Sociais (média de 9,4).
Matemática ainda é, para muitos, um "bicho papão" e leva cada vez mais estudantes a procurar apoio. Gil Marques dirige um centro de explicações – Explicações Lisboa – e revela à CNN Portugal que 70% dos estudantes que o procuram fazem-no por causa da Matemática e de áreas a ela ligada como Álgebra ou Geometria Descritiva. “Muitos do secundário e do superior, menos do primeiro e segundo ciclo”, resume.
Mas, afinal, o que é que a Matemática tem?
Gil Marques sabe do que fala. Professor reformado do ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão) também dá explicações de Matemática e assevera que “ser explicador é muito mais difícil do que ser professor”: “Enquanto numa turma quem manda é o professor, na explicação, quem manda é o aluno. É ele quem dita a agenda. Por isso, é que muitas vezes os professores são maus explicadores.”
Para Gil Marques, o grande problema da Matemática está na falta de conexão do conteúdo com a realidade. “É uma questão já ancestral. Desde sempre que a Matemática é mais procurada em explicações do que as outras disciplinas. Requer abstração e isso torna a disciplina mais difícil”, justifica.
José Carlos Santos, da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), corrobora esta opinião e acrescenta: “A Matemática quer uma certa verticalidade. Ou seja, para aprender o conteúdo de determinado nível é necessário ter o conteúdo anterior muito bem cimentado. Literatura, por exemplo, não requer isso. Posso aprender muito bem Fernando Pessoa, sem perceber nada de Literatura do séc. XVI.”
Como ajudar os nossos filhos a estudar Matemática?
Gil Marques e José Carlos Santos defendem que o primeiro passo para derrubar o muro que separa tantos da Matemática é quebrar preconceitos. Em conversa com a CNN Portugal, José Carlos Santos lembra a história do amigo que acompanhou o filho no primeiro dia de escola primária e ouviu a professora dizer, solícita: “Vamos aprender Português, Estudo do Meio e Matemática. Matemática é difícil, mas estou cá para vos ajudar”. “Uma criança que entra na escola e ouve a professora dizer logo no primeiro dia que Matemática é difícil fica logo reticente. E assim se cultiva esta questão cultural que é o ‘medo ou o ódio pela Matemática’”, alerta, sublinhando que “o gosto pela Matemática se deve começar a cimentar muito cedo”.
Os dois especialistas deixam alguns truques que podem auxiliar pais e professores a ajudar as crianças e os jovens a estudar Matemática com sucesso:
1 – Desmistificar e materializar
Para Gil Marques, “o primeiro truque é procurar que a Matemática represente o mundo e a própria realidade”.
“Enquanto explicador tento dar uma reposta concreta à Matemática ou àquilo que não entendem no mundo da Matemática. A Matemática não são só números. Explica a realidade. Podem ser cálculos abstratos, mas para chegar a uma realidade”, sublinha.
José Carlos Santos está em total acordo e lembra mesmo que, “para uma pessoa que não esteja interessada em Matemática, pode resultar sentir que ela serve para alguma coisa importante no seu dia-a-dia”.
2 – Livros, sites e redes sociais
O representante da SPM ouvido pela CNN Portugal aconselha ainda que se mostre à criança, desde cedo, “bons livros que ajudem a perceber para que é que a Matemática vai servir no futuro”. “Para os jovens, é também importante a visita a sites e canais de redes sociais de promoção da Matemática, como o da Math Gurl”, diz José Carlos Santos.
3 – Desfazer toda e qualquer dúvida
Porque a Matemática tem como característica a tal verticalidade, é importante que não fiquem dúvidas por esclarecer. Uma dúvida sobre determinado conteúdo pode minar a apreensão de outros conteúdos mais à frente.
“Se estão a estudar um qualquer tópico concreto e não desbloqueiam a é porque algo falhou na compreensão. É importante chegar à beira do professor e pedir ajuda. Às vezes, o professor pensa que deu e não deu como deve ser ou até deu e falhou qualquer coisa na comunicação”, diz José Carlos Santos.
Da nota mínima à vontade de “manter a excelência”
A propósito do recurso às explicações, José Carlos Santos alerta para a escolha de um bom profissional e sublinha que “há muita gente sem qualificações a dar explicações de Matemática”. “Acho que o mínimo é ter mestrado em Ensino ou que já tenha dado aulas ou ter formação em Matemática. Nada contra os engenheiros ou contra os economistas, mas não é por se ter tirado um curso de Engenharia ou Economia que se tenha qualidade para dar explicações em Matemática”, aconselha.
Muitos dos estudantes que procuram o centro de explicações que Gil Marques dirige procuram mais do que “passar a Matemática”. Alguns têm muito mais do que o 10 desejado por tantos.
“Os cursos mais difíceis são os que têm Matemática e Física. Engenharia Aeroespacial, por exemplo, tem muita procura de explicações de Matemática. São alunos que têm 18 e 19 de média para entrar para estes cursos. Quanto mais exigentes são os cursos, mais pedem explicações. Muitas vezes, os estudantes não nos procuram para ter a nota mínima, mas para manter a nota de excelência.
Às vezes, vêm para duas ou três sessões e é suficiente. Não precisam de ficar o semestre ou o ano”, revela Gil Marques.
Inês Guimarães licenciou-se em Matemática na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Em 2019 anunciou o fim do seu canal de YouTube. Efetivamente, o ritmo de publicação dos vídeos diminuiu e a última publicação já foi feita há dois meses. Todos os conteúdos dos últimos sete anos continuam disponíveis e Inês continua a mostrar a importância da Matemática em aspectos do dia-a-dia, como os códigos QR ou os testes de deteção do vírus da Covid-19. Pelo meio, há anedotas e enigmas que fazem rir e pensar.
Tem mais de 100 mil seguidores e alguns dos seus vídeos ultrapassam as 300 mil visualizações. A Matemática pode ser “um bicho de sete cabeças”, mas parece cativar quando há entusiasmo do outro lado.
Fonte: CNN Portugal por indicação de Livresco
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