Foi com alguma incredulidade que li a resposta do ministro da Educação à reivindicação dos professores em relação à contagem do tempo que não contou para a progressão entre o final de Agosto de 2005 e Dezembro de 2007 e depois de Janeiro de 2011 a Dezembro de 2017. Foi quase uma década de serviço efectivamente prestado e que, a acreditar nas avaliações internacionais, foi em claro benefício do desempenho dos seus alunos.
Afirmou o ministro, fazendo de porta-voz do Governo, que ou os professores aceitam a proposta do Governo ou então não terão qualquer reposição de tempo de serviço. Este tipo de atitude é inaceitável na forma e conteúdo. E ainda é pior quando vinda de um governante que há pouco mais de seis meses afirmava que defenderia “radicalmente” os direitos dos professores e que em entrevista recente (Notícias Magazine de 27 de Maio) afirmou ter crescido num ambiente rodeado de professores. Eu percebo que terá feito mossa a crítica que lhe foi feita de ser demasiado próximo da Fenprof, assim como também compreendo que nem toda a gente é capaz de repelir com convicção e eficácia a acusação de as reivindicações dos docentes serem “corporativas”. Mas ninguém o obrigou a declarar o que declarou. Se eu acreditei na tal “radicalidade”? Nem um pouco, porque sei, desde que tomou posse, que o seu peso político neste Governo tende para zero.
Mas esta resposta revela algo que vai para além da coerência política deste ministro transitório. Revela que a animosidade declarada há mais de uma década entre o PS e a generalidade da classe docente não ficou resolvida com o fim dos governos de Sócrates ou com a passagem da ex-ministra Maria de Lurdes Rodrigues para o estatuto de “senadora” e reitora, apesar da sua recusa em ser avaliada em termos que considerou “burocráticos”.
Esta resposta revela que os congelamentos da carreira docente decretados pelo PS o foram com o objectivo de se tornarem um corte permanente e definitivo no horizonte de progressão da maioria dos professores que estavam integrados na carreira quando chegaram ao poder, seja em 2005, seja em 2015. Contra os protestos desses professores, apresentam medidas como o fim da PACC que o próprio PS criara ou a vinculação “extraordinária” de docentes, mecanismo criado por Nuno Crato e virtude de uma imposição comunitária. O resto, dizem, são medidas na defesa do “interesse dos alunos”, sendo usual que apresentem tal difuso interesse como contraditório ao dos professores. E repetem uma espécie de ladainha que afirma que sem alunos não existiriam escolas ou sequer o sistema educativo que emprega os professores.
Perante isso, o que questiono é se a Educação seria possível sem professores e se há quem leve mesmo a sério aquelas teorias neo-construtivistas que estão na origem de algumas das reformas promovidas pelo secretário de Estado João Costa e alguns micro-feudos associativos e académicos e que afirmam que o conhecimento é algo que pode ser construído pelos alunos ab nihilo, apenas com uma espécie de orientação que não carece de especial qualificação académica.
A sério que acreditam que os professores são seres menores no sistema educativo e que a defesa dos seus interesses legítimos de verem o tempo de serviço que prestaram ser-lhes reposto tem menor valor do que o de quaisquer outros “actores” no palco da Educação? Ou isso não passa de uma retórica demagógica e servida com argumentos falaciosos como o daquela senhora deputada que disse que o tempo não pode voltar atrás e mais umas coisas assim, com escasso nexo, pois ninguém quer regressar ao passado, mas apenas que lhe seja devolvido o que foi abusivamente retirado. Senhora deputada que, quase por certo, assinou uma resolução do Parlamento a recomendar isso mesmo.
As semanas que se aproximam podem ser das mais conflituosas da última década em matéria de Educação. Ao fim de dois anos e meio, parece que alguns sindicatos despertaram de um estranho torpor. Pessoalmente, acho que os professores devem reagir para além de quaisquer tacticismos político-partidários, assumindo com clareza a defesa do que é seu. Para isso, foi entregue no Parlamento uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos para recuperação de todo o tempo de serviço docente que não colide em nada com as regras do orçamento para 2018.
Porque os professores devem ter a coragem de assumir a defesa do que é seu, não recuando perante ataques demagógicos ou chantagens insuportáveis. Porque sem eles não há Educação, por muito que seja o deslumbramento com as novas tecnologias.
Paulo Guinote
Fonte: Público
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