Logo de manhã o telefone tocou e tocou. Muitos pais queriam saber qual era o lugar em que a escola tinha ficado no ranking. Os funcionários e mesmo a direção da escola foram respondendo com o número. As pessoas simplesmente agradeciam — “Tá bem. Obrigado!” —, mas algumas não se contiveram e comentaram: “Só?” E as pessoas que trabalham na escola perguntavam-se: “Que é isto?”
Todo este movimento conduziu-nos à saudável situação de se debater educação no nosso país. Debater educação não é debater os fait-divers de uma escola, de um agrupamento, de uma experiência; é sobretudo trazer à luz as razões das opções que se tomam ou que achamos se deviam tomar. E assim, a publicação anual do ranking das escolas acaba por originar este debate, esta manifestação de argumentos, enfim, um bem que vem por mal. De certa forma, quando é publicada uma lista “das melhores escolas” logo surge a pergunta: “melhores em quê?” O desporto — talvez uma das atividades humanas onde esta ânsia “do melhor” é mais inflamada — já se preveniu para a dificuldade desta pergunta. Criou modalidades, especialidades, “posições nos desportos coletivos”, etc., etc. De forma que sempre podemos dizer que fulano é “o melhor defesa esquerdo da terceira divisão distrital neste mês”. No futebol sabe-se que efeito desastroso seria colocar Cristiano Ronaldo a guarda-redes e Rui Patrício a “ponta-de-lança”. A questão “melhor em quê?” encoraja-nos uma resposta: “melhor a resolver os problemas específicos que se lhe deparam”
Ora se o “melhor for para resolver os problemas que se lhe deparam”, teríamos que dizer que o problema da Educação seriam os exames, dado que o ranking é elaborado com base nos resultados dos exames nacionais. Mas o problema da Educação são os exames? Digamos que... se acabássemos com os exames acabávamos com os problemas na educação? Ninguém acreditaria nisto. Os desafios da Educação contemporânea vão muito para além de termos alunos com bom desempenho nos exames nacionais, talvez o pudéssemos situar num objetivo bem mais complexo e ambicioso: “Educar com qualidade todos os alunos”. Devemos concordar que para avaliar este objetivo o ranking das escolas é bem insuficiente. Diríamos que por três razões:
Antes de mais porque os problemas com que as escolas se deparam não são os mesmos. Para umas escolas a questão principal é segurar os alunos para que eles não desistam, para outras é motivar os alunos para obterem as noções fundamentais de literacia, para outras é resolver sérios problemas de disciplina, para outras é lidar com a heterogeneidade dos alunos, para outras é a desmotivação dos professores, para outras é relacionar-se com os pais, etc. Para muitas escolas seria um verdadeiro presente se a preocupação central, única ou até predominante fosse “a aprendizagem dos conteúdos”. Mas quantas prioridades se intrometem antes de lá chegar!
Um outro aspeto é que os resultados dos alunos não são só fruto da intervenção da escola. Conhecemos melhor que nunca o efeito que a literacia das famílias tem no aproveitamento dos alunos. Os meios socioeconómicos de que os alunos são provenientes influenciam fortemente a previsão dos resultados da escola. A isto se poderia acrescentar um fenómeno extraordinário e ainda pouco estudado no nosso país, que são os “Centros de Estudos”. Há centros de estudos que detêm dossiers com os testes de anos anteriores de cada professor. Isto é uma vantagem bem pouco democrática para o sucesso nos testes e mesmo nos exames. Nos exames não são só as escolas e os alunos que comparecem.
Por fim, diríamos que os rankings enfermam de uma dificuldade que há mais de 50 anos já foi encontrada nos testes psicológicos: procuram através de uma amostra pequena, simples e estandardizada avaliar todo um percurso longo, complexo e singular. O exame nacional avalia unicamente — e com elevados riscos — os conhecimentos situados e específicos de um determinado conteúdo. O que fica de fora? Bom... fica toda a educação, fica o conhecimento do que foi o progresso do aluno, fica de fora o processo (dado que só o resultado interessa), fica de fora o que se aprendeu a fazer, a conhecer, fica de fora a vida da escola. Como poderemos querer que os estudantes se interessem pela vida na escola se só valorizamos os exames? Lembro que no fim de uma aula que um professor procurou que fosse de escuta das opiniões dos alunos, de debate de ideias, um aluno lhe perguntou no fim: “Ó sotor, disto tudo o que é que vem para o exame?”
A Educação, como toda a atividade humana, precisa de ser criteriosamente avaliada. “Meter no mesmo saco” (isto é, nos resultados dos exames nacionais) realidades tão diferentes resulta injusto. Ter critério quer dizer que não pode haver boa avaliação sem levar em conta o processo e os meios que se colocaram para o objetivo.
Será que o ranking da escola seria diferente se, em lugar do telefonema a perguntar qual a posição da escola, a pergunta fosse como é se pode colaborar nas atividades da escola?
David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial; Conselheiro Nacional de Educação
Fonte: Público
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