“Um desabafo que os pais fazem muitas vezes é que ninguém sabe o que estão a viver. É verdade, só quem vive aquela realidade é que percebe as implicações da doença. Nós, associações, somos os avós daquelas famílias, e é importante que quem legisla escute quem está próximo”, diz Alexandra Correia, coordenadora do núcleo sul da Acreditar. Todos os anos, em Portugal, são diagnosticados entre 400 e 450 novos casos de cancro pediátrico, e a incidência está a aumentar cerca de 1% ao ano. A taxa de sobrevivência ronda os 80%.
Quando surge o diagnóstico de cancro num filho, não é só o chão de desaparece. É uma rotina familiar que se altera por muito tempo. Os cancros pediátricos mais frequentes são os tumores do sistema nervoso central e as leucemias, que têm em média uma duração de tratamento entre dois e três anos. Amanhã, quinta-feira, assinala-se o Dia Internacional da Criança com Cancro, e a casa de Lisboa da Acreditar, associação que apoia estas crianças e as suas famílias, recebe o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, Nuno Miranda, para conversarem sobre os principais problemas em oncologia pediátrica. Um momento para lembrar que ainda há muito a fazer. Sobretudo a nível legislativo.
“Quando surge o diagnóstico de cancro, entre o aumento das despesas e a diminuição das receitas — porque um dos pais para acompanhar o filho recorre a uma baixa, e só recebe 65% do vencimento, ou acaba no desemprego — há um diferencial de cerca de 600 euros. Queremos que estes pais possam continuar a ter os rendimentos que tinham antes do diagnóstico”, diz Alexandra Correia. A associação recomenda que seja criado um subsídio de acompanhamento do filho com cancro no valor de 100% da remuneração de referência do pai ou da mãe.
As necessidades expressas pelas famílias não se esgotam aqui. “Hoje em dia, o que a lei prevê são quatro anos de licença para acompanhamento de um filho com cancro. Mas temos crianças que ficam muito mais tempo em tratamento. Queremos que, para estas situações, o período possa ser alargado. Por outro lado, existem fases críticas da doença — diagnóstico, agravamento da doença e fase terminal — em que seria importante ter a presença do pai e da mãe [em simultâneo], e isso não é possível porque, atualmente, se um pai pede a licença, o outro já não pode.”
As famílias sugerem assim que seja criada uma licença de 30 dias que o outro pai possa tirar com o cuidador principal. Pedem ainda flexibilidade de horários laborais, apoio para a compra de suplementos alimentares e outros produtos técnicos, a criação de um passaporte oncológico, que dará ao sobrevivente toda a informação que precisa para compreender os efeitos da doença.
Estas propostas estão, de resto, refletidas nas várias recomendações feitas ao Governo, publicadas em Diário da República a 30 de janeiro, e poderiam dar corpo à Lei 71/2009, que criou o regime especial de proteção de crianças e jovens com doença oncológica. É que, dessa lei, até agora, muito ficou por regulamentar. “A única mudança efectiva foi a regulamentação de um artigo relacionado com a questão da escolaridade”, diz Alexandra Correia, explicando que com a portaria, publicada em novembro, caso as escolas não tenham capacidade para dar resposta às necessidades das crianças, devem comunicá-lo ao Ministério da Educação para que seja encontrada uma solução.
A necessidade de mais investigação é também um ponto fulcral. A Acreditar e associações congéneres de mais 42 países enviaram uma carta ao comissário europeu da Saúde em dezembro. “Devem existir mais estudos. Quando percebemos o aumento da incidência e sabemos que as respostas eficazes são impactantes — a taxa de sobrevivência ronda os 80% —, não pode haver avanços tão espaçados [na inovação]”, diz Alexandra Correia.
Fonte: Público
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