Se inovar significa apontar uma seta para o futuro, o que será, de facto, novo – ou realmente quase-novo, ou igual, ou quase-igual – nas próximas décadas, no sistema educativo português?
Lanço esta interrogação a propósito da Estratégia Nacional para o Portugal 2030 e considero que a inovação exige repensar estratégias para a educação pré-escolar e para os ensinos básico e secundário, em função de referenciais, ideias, pressupostos e desafios.
Dando primazia a documentos da União Europeia, se bem que pudessem ser convocados relatórios quer da UNICEF (e.g., For Every Child, 2017), quer do Banco Mundial (e.g., Learning to realize education’s promise, 2018) – cito dois referenciais: Estratégia de Lisboa 2000 (2000-2010), que considera que a participação ativa das pessoas na economia do conhecimento exige um elevado nível de formação; Estratégia Europa 2020 (2010-2020), que defende um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo para que se torne possível desenvolver uma economia baseada no conhecimento e na inovação.
A definição de estratégias é algo que se torna normal nas sociedades e em educação, mas mais ainda se observarmos, como o faz Ulrich Beck, em Sociedade de Risco Mundial, que está em curso uma meta-mudança cultural abrangente da sociedade do século XXI, ou seja, a ideia de uma nova compreensão da natureza e da sua relação com a sociedade, assim como uma outra compreensão de “nós” e dos “outros”, da racionalidade social, liberdade, democracia e legitimação, inclusivamente do indivíduo, exigindo-se o que apelida de uma nova ética de responsabilidade planetária orientada para o futuro.
Porém, a materialização de tal ideia em educação e formação de crianças e jovens (e também de adultos) confronta-se com incentivos e constrangimentos, que podem ser identificados nalguns destes pressupostos: pessimismo e otimismo social, em que a educação é perspetivada ao mesmo tempo como raiz e solução de todos os problemas; conhecimento e inovação como motor de desenvolvimento da sociedade; sociedade do conhecimento (no passado, da informação e, no futuro, da inteligência artificial) balizada pelo princípio da aprendizagem ao longo da vida; o digital como suporte para o desenvolvimento de territórios inteligentes, através de novos lugares de educação e formação, o que não reduz o papel da escola na sociedade; discussão dos pilares do conhecimento em busca de respostas para a interrogação central sempre presente na construção de propostas curriculares – Qual é o conhecimento mais valioso? – e que o Relatório Delors, de 2001, enumera nestes quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser.
De modo mais específico, em termos de definição de estratégias na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário, há que responder, no presente e no futuro, a estes desafios:
– garantia da universalidade da educação pré-escolar aos três anos, estando atualmente nos quatro anos; melhoria da qualidade da educação básica correspondente à escolaridade obrigatória de 12 anos, com reforço da escola pública e dos seus significados sociais e individuais, ou seja, aquisição de conhecimento e mobilidade social.
– diversificação de percursos de educação e formação, em resposta aos desafios da globalização e à necessidade em desatar o nó górdio da estigmatização da formação profissional, tanto a nível individual, como no plano social.
– efetividade do perfil de competências à saída da escolaridade obrigatória, nas vertentes cognitiva, social e pessoal, sem que represente mais um documento de orientação curricular;
– definição de aprendizagens essenciais, significativas e relevantes para os percursos de educação e formação, com a preocupação de valorização do processo de aprendizagem e não tanto com o valor numérico dos resultados;
– inclusão e diferenciação da educação e formação com vista ao sucesso de todos os alunos. A educação inclui, não exclui; a escola não segrega, integra;
– cumprir o 4.º objetivo da ONU, 2015, do Desenvolvimento Sustentável: assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos;
– perspetivar a educação pessoal e social, no cumprimento do art. 47.º da Lei de Bases do Sistema Educativo, como realização de cidadania democrática[1], global[2] e cosmopolita (no respeito da diversidade cultural, identidade e diferença), porque em educação e formação não há lugar a práticas de discriminação social.
[1] Conselho da Europa (2012). Carta do Conselho da Europa sobre a educação para a cidadania democrática e a educação para os direitos humanos.
[2] UNESCO (2015). Educação para a cidadania global. Preparando alunos para os desafios do século XXI.
José Augusto Pacheco
Presidente do Instituto de Educação da Universidade do Minho
Fonte: Público
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