Francisco Godinho é Professor Auxiliar no Departamento de Engenharias da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). É também Coordenador do Centro de Engenharia de Reabilitação e Acessibilidade (CERTIC).
Quais são as formas de deficiência mais comuns no país?
Nos Censos de 2001, realizaram-se inquéritos sobre a deficiência, tendo sido apurado uma percentagem de 6,1 da população residente em Portugal, sendo a deficiência visual (1,6%) e a deficiência motora (1,5%) as mais representativas. Nos Censos de 2011, os inquéritos centraram-se nas incapacidades que não são exatamente equivalentes à deficiência. Neste dados mais recentes, 18% da população com 5 ou mais anos de idade declarou ter muita dificuldade, ou não conseguir realizar pelo menos uma de 6 atividades diárias, relacionadas com a visão, audição, locomoção, memória/concentração e com a higiene e arranjo pessoal e, ainda, em compreender os outros e fazer-se entender por eles. Entre esta população com incapacidades, o andar e o ver foram as atividades mais problemáticas, tendo sido reportadas por 25% e 23% respetivamente, ou seja 4,5% e 4,14% da população com 5 ou mais anos de idade. Com estes dados poderemos afirmar que a deficiência física e a visual são as mais comuns no nosso país.
As infraestruturas das principais cidades do país são adequadas a pessoas com deficiência?
Se considerarmos as infraestruturas urbanas (via pública e edifícios), de transporte e de informação, em todas encontraremos muitas deficiências pois a cultura de inclusão nestas áreas tem apenas duas décadas no nosso país. De qualquer maneira, neste período têm-se registado avanços em matéria legislativa e de políticas públicas, em financiamento de planos municipais de promoção de acessibilidade, na criação de alguns gabinetes de mobilidade e acessibilidade, bem como de provedorias dirigidas a cidadãos com deficiência nos municípios. Esta dinâmica tem vindo a abrandar os últimos 2-3 anos, mas espera-se a retoma para breve.
Que tipo de desafios enfrenta uma pessoa com deficiência no nosso país?
O principal desafio é de natureza cultural e consiste em desvalorizar ou ignorar as capacidades que uma pessoa com deficiência pode ter e os direitos que lhe assistem. Isso, por exemplo, cria grandes barreiras no acesso ao mercado de trabalho e dificuldades em ter uma vida o mais normal possível, onde seja possível uma mobilidade sem obstáculos a cada esquina. Há uma grande ênfase na deficiência humana e enorme negligência perante as deficiências da sociedade que coletivamente construímos. Repare-se neste título do jornal do Correio da Manhã, do dia 26 de novembro: “Costa chama cega e cigano para o Governo”.
As empresas estão preparadas fisicamente e estão disponíveis para contratar pessoas com deficiência? Como deveria de ser a infraestrutura de uma empresa inclusiva.
Tal como acontece com a maioria das nossas habitações, é natural que as instalações das empresas não tenham sido concebidas ou pensadas numa perspetiva de ter trabalhadores com deficiências ou imaginando que os próprios empresários podem vir a ser um desses “exemplares” ativos. Contudo, há apoios financeiros do Estado para eliminar barreiras arquitetónicas e adaptar postos de trabalho, sempre que necessário. Mas o ideal seria a empresa adotar desde o início uma infraestrutura baseada nos princípios do Design Universal, acomodando a maior diversidade de capacidades/limitações possíveis, bem como uma ergonomia preventiva de forma a minimizar riscos de saúde e segurança dos seus trabalhadores.
A disponibilidade para contratar pessoas com deficiência é uma questão essencialmente cultural e que deve contar com Centros e/ou valências Reabilitação Profissional do setor público e privados competentes para apoiar a integração destes trabalhadores.
O que propõe para melhorar a inclusão deste setor da sociedade?
Nos últimos 10 anos tenho lutado pela existência de uma formação académica superior em Engenharia de Reabilitação e Acessibilidade Humanas com o objetivo de dotar as empresas, o setor público e a economia social de profissionais especializados em soluções tecnológicas que promovam a inclusão e participação dos cidadãos com deficiência e idosos. Até à data, no nosso país só foi possível implementar esta formação ao nível da licenciatura e mestrado na UTAD, mas neste momento está e vias de se extinguir e de se criar um novo vazio nesta área profissional.
Que papel tem a educação na inclusão e mobilidade desta faixa da população?
Para além do exemplo que dei na resposta à pergunta anterior, a educação para a inclusão e diversidade é fundamental, sendo desejável que a mesma surja deste o infantário até ao ensino superior. No sistema do ensino superior seria possível e desejável que a maioria das formações académicas, nomeadamente ao nível da formação inicial, incluíssem esta temática na sua componente curricular, uma vez que inclusão é uma questão transversal a todos os setores de atividade. Isso torna-se muito claro, entre outras áreas, na arquitetura, engenharia e design, educação, saúde e serviços sociais.
Fonte: Universia por indicação de Livresco
Sem comentários:
Enviar um comentário