Assumo-me como suspeita neste tema. Absolutamente suspeita.
O meu percurso profissional iniciou-se num Colégio de Educação Especial. Já lá vão quase 20 anos. Espaço que moldou o princípio da minha profissão e que me levou a descobrir o conceito Necessidades Educativas Especiais. Mas acima de tudo, uma forma de relação com a escola com a qual me revejo totalmente — a compreensão em vez da mera punição, o ouvir e conhecer ao invés de rotular e enumerar.
O Colégio Eduardo Claparède foi o palco de muitas aprendizagens, mas principalmente de muitos desafios. Foi, e é, um espaço privilegiado para compreender a diferença e a possibilidade de criar um lugar de transição para alunos com comportamentos severos e limitativos que dificultam o funcionamento em várias valências do seu dia-a-dia. Vamos ser diretos: a escola tem de ser para todos, mas continua a não haver omeletes sem ovos e a mudança de mentalidades, por muita legislação que se construa, demora. E neste impasse, percebemos imediatamente quem são bodes expiatórios.
Posso enumerar, facilmente, ao longo destes anos frases-chave que denunciam o verdadeiro entendimento “dos meninos especiais na escola”: “Mas ele tem o quê? Mas ele vai estar na turma com os outros? E quem lhe vai dar a aula? É para lhe dar testes mais fáceis, não é? Mas eu vou ficar aqui sozinha com ele?”. E a lista está só no início. Era assim há 20 anos e, embora evidentes mudanças, estas frases ainda permanecem. E permanecem mais ainda quando a burocracia e metas apertam o currículo. Os “outros” deixam de contar.
Sei que este é um assunto sensível a todos os defensores acérrimos da (palavra já gasta) Inclusão. Mas além de me assumir como suspeita neste assunto, assumo-me primeiramente como intransigente em relação à quão óbvia deve ser a concepção desta palavra. A “Inclusão” não pode ser questão. Mas vamos trocá-la por diversidade. Na diversidade não existe “uma sociedade superior” que deseje incluir alguém.
Os Colégios de Educação Especial desempenham um papel fundamental. Fundamental porque assumem na sua essência um princípio de aceitação de todos (diversidade) porque muitos dos jovens, e com conhecimento de causa falo, que não encontraram o seu lugar numa escola regular conseguiram-no encontrar neste espaço. Um espaço onde é respeitado e onde consegue encontrar uma abordagem mais individual pensada para o aluno e não sob a custódia de um currículo; onde existe tempo e lugar para compreender os comportamentos; compreender as problemáticas e estar dotado de um corpo de docentes, psicólogos e terapeutas que trabalham diariamente para o mesmo objetivo; um local onde as reuniões são um espaço sem grelhas, sem trabalho burocrático onde o centro e as principais preocupações são: Como chegar até este aluno? Como conseguir que corresponda ao que a sociedade lhe exige? Um espaço que não é escravo de um currículo, mas sim de um princípio primordial — criar uma relação afetiva, uma auto-regulação que permita ao aluno um novo caminho. Este é o verdadeiro projeto e trabalho dos colégios de educação de especial e o verdadeiro projeto do Colégio Eduardo Claparède.
Creio que todos os intervenientes educativos pais, terapeutas, profissionais da saúde, professores, escolas e Ministério da Educação reconhecem o seu valor e o seu papel na sociedade. Creio também que compreendem a mais-valia destas instituições cujo encerramento não ajuda a promover um trabalho pedagógico e terapêutico basilar junto de muitas crianças e jovens.
Não creio que a defesa da coabitação destas instituições possa ser considerada um “ataque” à “inclusão”, pelo contrário, estas devem ser encaradas como um espaço complementar para que este conceito possa fazer parte da “nossa memória muscular”.
Maria Joana Almeida
Fonte: Público
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