No início de um novo ano letivo, somos confrontados com números enormes: milhares de alunos sem professor, milhares de professores em falta nas escolas. Porém, é para um número mais pequeno que queria hoje chamar a atenção dos leitores, o número dramático de alunos que frequentam atualmente as escolas de educação especial e que se arriscam de um dia para o outro a ficar de fora do sistema educativo que as deveria acolher e acompanhar. Estamos a falar de 470 alunos, em escolas que os Governos têm vindo a asfixiar aos poucos, mantendo os subsídios que remontam a 2008.
Para quem não acompanhe de perto esta realidade, convém clarificar.
As escolas de ensino especial são estabelecimentos de ensino privado que recebem alunos com necessidades de acesso ao currículo especialmente severas e que necessitam de apoios que a escola pública não está em condições de assegurar. Estes apoios traduzem-se num espaço escolar totalmente dedicado a si, uma equipa multidisciplinar de docentes e técnicos e toda uma estrutura escolar especializada. São alunos maioritariamente oriundos de famílias de baixos recursos, que não conseguem mobilizar os recursos adicionais necessários para o acompanhamento do percurso escolar fortemente adaptado.
A Declaração de Salamanca sobre Princípios, Política e Práticas na área das necessidades educativas especiais, assinada por mais de 300 delegados à Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais que se realizou naquela cidade espanhola a 10 de junho de 1994, foi subscrita por Portugal. É um documento que estabelece princípios fundamentais de políticas educativas baseadas numa ideia de educação inclusiva, fomentando a capacitação das escolas para atender todas as crianças, sobretudo as que têm necessidades educativas especiais.
Ao longo das quase três décadas que nos distanciam daquele tempo, Portugal deveria e poderia ter feito mais e melhor nesta área específica. A agenda da educação inclusiva foi uma bandeira política de sucessivos Governos, mas nunca foi uma agenda verdadeiramente central, a que fossem alocados os recursos necessários. Isto teve um resultado perverso. Por um lado, não foram criadas as condições necessárias para que todos pudessem frequentar o ensino geral e, por outro lado, algumas ofertas especiais que dão resposta aos casos mais graves sofreram um desinvestimento brutal. Está à vista o resultado, com o que resta dos estabelecimentos de educação especial à beira de desaparecer por completo. Fica a sensação, porventura injusta, de que a agenda da educação inclusiva tem servido mais para ocultar as necessidades das crianças do que para atender a cada uma na sua especificidade.
No caso dos colégios de educação especial, frequentados por alunos encaminhados pelo Ministério da Educação que não encontram apoio nas escolas de ensino geral, o apoio financeiro foi minguando, ano após ano. Em 2008, a sua existência foi inclusivamente posta em causa pelo Governo da altura, que acabou a eito com a educação especial – Decreto-Lei n.º 3/2008 –, tendo obrigado o Partido que suportava o Governo a chamar o diploma ao Parlamento e a reverter algumas das medidas que haviam sido decididas pelo Executivo, nomeadamente a extinção dos colégios de educação especial.
Recorde-se que, à época, o Governo tinha uma maioria absoluta e que o partido político que suportava essa maioria no Parlamento foi determinante para reverter a direção política errada que estava a ser seguida. Salvaram os deputados alguns cacos de uma peça partida, mas o golpe foi demasiado violento para que esse segmento educativo voltasse alguma vez a recuperar.
Os mais céticos dirão que se trata de uma gota de água: 470 crianças e jovens, num universo de 1,3 milhões de alunos em Portugal. Porém, é responsabilidade do Estado garantir a plena integração de todos os cidadãos e atender de modo particular aos mais frágeis.
Na já mencionada Declaração de Salamanca constata-se que os governos são instados a “adotar como matéria de lei ou como política o princípio da educação inclusiva, admitindo todas as crianças nas escolas regulares, a não ser que haja razões que obriguem a proceder de outro modo” (negrito meu).
Ora os estabelecimentos de educação especial privados, que trazem a resposta educativa que a escola pública não está em condições de assegurar, recebem do Estado uma verba anual por aluno inferior ao custo de educação de um aluno sem dificuldades numa escola pública estatal. Turmas com menos alunos, mas com mais profissionais na sala; mais docentes, psicólogos e outros técnicos com formação específica.
O número mágico que permitiria dar a estas crianças a esperança da Educação (e quantas não perseveram e vencem por causa da educação e atenção que recebem nestes estabelecimentos de ensino?) é um milhão e quinhentos mil euros! O que corresponde a 0,019% (leu bem, zero vírgula zero dezanove por cento) do orçamento da Educação em Portugal, que é de cerca de oito mil milhões de euros. Uma pequena gota de água no oceano da Educação para Todos. Um milhão e meio de euros que fariam toda, mas toda a diferença, para a vida e o futuro destas cerca de quatro centenas de crianças.
Para terminar, desafio o leitor a uma consulta e a uma ação. A consulta é aos valores dos custos de funcionamento dos gabinetes ministeriais em 2020 (a tendência é que atualmente sejam superiores). A ação é de que assine a petição pública para defesa da educação especial. Junte a sua ação à nossa. Para que o Governo, com a concordância dos partidos com assento parlamentar, permita que a gota que falta se possa juntar ao oceano de recursos que deveria existir numa Educação para Todos. Há sinais positivos vindos do Ministério da Educação, cumpre-nos dar-lhe o respaldo que possa ser necessário junto dos restantes ministérios.
Vice-Presidente da AEEP — Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo
Fonte: Observador por indicação de Livresco
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