Há alguns anos, quando integrei o conselho diretivo de uma escola básica nos Estados Unidos da América, os professores descreveram um fenómeno incomum que observaram em aula. Por vezes, quando as crianças não conseguiam resolver os problemas de matemática sozinhas, os professores experimentavam ler os anunciados em voz alta, e assim elas conseguiam resolvê-los. Era evidente que aqueles alunos conseguiam fazer as contas. Só não conseguiam entender as palavras.
Mais tarde, durante a pesquisa para um livro sobre alfabetização, fui observar o ensino da leitura numa sala de primeiro ano, mas aquele tempo de aula era afinal dedicado à matemática. Decidi assistir mesmo assim, e percebi que as dificuldades na compreensão oral, e não só na compreensão escrita, podem interferir com a habilidade dos alunos para a matemática.
Enquanto a professora se reunia com um pequeno grupo, os outros alunos trabalhavam de modo independente em aparelhos digitais, com auriculares que lhes permitiam ouvir as instruções dos problemas a resolver. Deste modo, e apesar de terem dificuldades na leitura, a professora terá pensado que seriam capazes de compreender o que era suposto fazerem. No entanto, como percebi ao percorrer a sala, a realidade não era essa. Um menino ouviu o enunciado «acrescenta oito a três», mas só depois de eu lhe ter explicado percebeu que acrescentar significa somar. Outro menino tinha à frente uma sequência de números que ia do 80 ao 90, e ouviu a pergunta «que número é anterior a 84?». Depois de o ter visto clicar no 85, no 86 e ainda no 87, percebi que não compreendia o termo anterior. Assim que o elucidei, assinalou de imediato a resposta certa.
Vi outros alunos do primeiro ano a resolver problemas com enunciados como «arredonda 119 à dezena mais próxima» ou «calcula a área do triângulo em metros quadrados». Dei por mim a pensar se estas crianças saberão o significado de palavras como arredondar, área e metros quadrados.
O plano curricular do ensino básico americano assenta na noção de que todo o conhecimento importante pertence ao domínio da leitura ou da matemática, e todos os testes padronizados reforçam essa ideia. Esta perspetiva tem um problema sobre o qual já escrevi no passado: uma visão demasiado redutora de tudo o que a leitura implica. Para que os alunos consigam compreender o que leem, têm de adquirir algum vocabulário que só se encontra no contacto com estudos sociais, ciência ou artes — disciplinas que têm sido marginalizadas ou até interrompidas para libertar tempo para a leitura e a matemática.
Por outro lado, a leitura não é de todo independente da matemática. Se não formos capazes de ler um problema de matemática, não o conseguimos resolver. E mesmo que sejamos capazes de o ler, ou tenhamos alguém que no-lo leia em voz alta, se nos faltar vocabulário essencial à sua compreensão, também ficamos na mesma.
Outros investigadores identificaram este problema. Num artigo publicado no The74, Lynne Munson, que dirigiu a criação de um programa chamado Matemática Eureka e que é mãe de uma criança disléxica, explicou recentemente de que modo a dislexia afeta o desempenho matemático. Após ter recebido uma carta onde um aluno disléxico do sexto ano se queixava de que a linguagem usada no Matemática Eureka era difícil de ler e compreender, Munson e os colegas alteraram o programa para usar palavras mais simples e frases mais curtas, evitando a verbosidade sempre que possível.
Para tornar a matemática acessível a todos, defende Munson, as escolas devem seguir programas que respeitem a necessidade de os alunos compreenderem os problemas que têm de resolver. A autora aconselha os professores a planear as aulas de matemática tendo em conta alguns princípios. Eis alguns exemplos: deixar muito espaço em branco nos manuais e nas fichas, escolher tipografia que seja fácil de ler e ensinar de forma intencional «palavras que parecem difíceis mas que são necessárias para a construção de um léxico matemático». Esta explicação deve incluir termos como acrescentar, somar e total. Até anterior, no caso de alguns alunos.
Um estudo recente com alunos não nativos do inglês veio mostrar outro ângulo deste problema, e o que fazer para o combater. Olhando para o universo de alunos entre os 5 e os 17 anos, os que aprendem inglês como língua estrangeira são o grupo que mais tem crescido, contabilizando perto de cinco milhões. No seu conjunto, estes alunos obtêm resultados inferiores aos nativos de língua inglesa nas provas globais de matemática. Estes investigadores trabalharam com uma professora que ensinava língua inglesa a alunos do terceiro ano com dificuldades de aprendizagem a matemática. Concentraram-se em problemas com enunciados escritos, uma área difícil para os alunos por causa do vocabulário desconhecido. A professora recebeu indicações para dar exemplos de conceitos matemáticos, mas também para definir algumas palavras e usá-las no seu contexto, pedindo aos alunos que debatessem o problema e que o reescrevessem no quadro com uma frase que começasse com «A pergunta é…».
Os investigadores tinham classificado os problemas em quatro níveis de dificuldade com base nos conceitos e na terminologia matemática utilizada. Os alunos começaram todos no primeiro nível, mas passados cerca de 20 minutos de aula, já todos tinham chegado ao nível três ou ao nível quatro. Uma avaliação posterior mostrou que o conhecimento que adquiriram não se perdeu. É certo que o estudo foi limitado, incluindo apenas num professor e nove alunos, divididos em grupos de três. Mas não deveria ser preciso um estudo em larga escala para nos convencer como é importante garantir que os alunos conseguem ler e interpretar os problemas que queremos que resolvam.
Este estudo realçou uma abordagem que poderá ser útil no ensino da matemática: pedir aos alunos que escrevem sobre a matéria que estão a aprender. Os investigadores referiram que os alunos que fizeram comentários como: «Gostei que o professor nos explicasse as coisas passo a passo, com palavras, e que pudéssemos falar sobre matemática com escrita.» Já o professor apreciou passar pelas «etapas fundamentais da leitura e da escrita para resolver problemas de linguagem».
Em termos latos, os estudos demonstram que pedir aos alunos que escrevam sobre a conteúdo a reter, não só na matemática mas em disciplinas de humanidades ou ciências, favorece a aprendizagem. No entanto, isto não significa que escrever qualquer coisa relacionada com a matemática seja útil. Por exemplo, pedir aos alunos que escrevam um «diário da matemática», onde anotem as suas ideias e experiências com esta disciplina, pode não funcionar para aqueles que veem na escrita uma tarefa demasiado complexa.
Uma abordagem que funciona para muitos alunos é usar indicações escritas certeiras encaixadas no conteúdo matemático a aprender, começando logo ao nível das frases para aliviar a elevada carga cognitiva que a escrita requer. Por exemplo, se o conteúdo for a relação entre frações e decimais, podemos dar aos alunos a frase as frações são como decimais e pedir-lhes que a transformem em enunciados que utilizem os termos porque, mas e portanto.
Os alunos podem criar frases como:
- As frações são como decimais porque são ambas partes de um todo.
- As frações são como decimais, mas escrevem-se de forma diferente.
- As frações são como decimais, portanto são intercambiáveis.
Exercícios deste género, se forem feitos com cuidado, reforçam vocabulário e conceitos matemáticos fundamentais enquanto familiarizam os alunos com sintaxe mais complexa, que raramente ocorre na oralidade. Por exemplo, depois de se sentirem à vontade com a utilização do mas, podem tentar fazer construções mais sofisticadas com apesar de: Apesar de serem como decimais, as frações… (Estes exemplos foram retirados de um livro do qual sou coautora: The Writing Revolution: Advancing Thinking Through Writing in All Subjects and Grades. Não tenho interesses financeiros no livro nem na organização The Writing Revolution.)
Como ilustra o episódio que desrevi no início deste artigo, não são só os alunos disléxicos ou que estão a aprender inglês como segunda língua que tiram partido de esclarecimentos sobre a linguagem usada em matemática. Dado que apenas 34% dos alunos do oitavo ano obtiveram uma classificação boa ou muito boa nos exames nacionais, e que a percentagem desce para 15% nos casos de crianças com pais sem educação superior, é óbvio que temos de eliminar o máximo de obstáculos que conseguirmos. E garantir que as crianças conseguem ler e interpretar os problemas matemáticos não devia ser assim tão complexo.
Esta publicação tem por base um artigo publicado pela Forbes.com.
Fonte: Iniciativa Educação
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