Para os idealistas, como eu, o progresso da escola é indissociável de uma profissionalização crescente dos professores. Sejamos lúcidos o suficiente para saber que esse paradigma e os seus corolários, em termos de estatuto, de ganhos, de nível de formação, de atitude reflexiva, de empoderamento, de mobilização coletiva, de liderança e gestão de estabelecimentos, de promoção de um pensamento crítico (e criativo), estão longe de obter unanimidade, mesmo entre aqueles a quem o “statu quo” não satisfaz.Philippe Perrenoud
Temos de voltar a este tópico. Ao primeiro de todos os ofícios, aos professores, luz do mundo e salvação da humanidade. À urgência revalorização da profissão docente. Depois de se ter difundido massivamente a ideia de que os professores “estavam sentados à lareira” do conforto e não se importavam com o destino dos seus alunos. Porque mesmo que alguns estivessem “sentados” nunca se poderia generalizar este labéu. Porque sem professores não há futuro. Porque os professores são a pedra angular de todas as profissões. Porque sem uma escola que faça aprender todos os alunos estaremos a coartar a liberdade de ser em todo o potencial do ser humano. E a criar as condições de uma “guerra civil” de todos contra todos. Estamos onde estamos como resultado de políticas que podiam estar cheias de boas intenções, mas que nos conduziram ao inferno. Da competição injusta entre pares; da desvinculação profissional; da fuga da escola; do alheamento, tédio e esgotamento.
É certo que, em situação normal, teríamos de escrever os alunos primeiro, porque sem alunos não há escola nem seriam precisos professores. As famílias primeiro, porque são axiológica e normativamente as primeiras responsáveis pela educação das jovens gerações. Mas a maioria dos alunos precisa de professores que ativem a vontade de aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e a conviver. E sem estas aprendizagens vitais as escolas seriam apenas um espaço de guarda e um entediante recreio. E não creio que alunos queiram um recreio permanente.
Temos, por isso, de inverter o caminho que nos conduziu até aqui. Vejo sete caminhos urgentes em três categorias que se organizam pelos níveis macro, meso e micro do sistema educativo:
1. Considerar as escolas sobretudo como “locus de produção” e reinvenção, espaços de liberdade e criação e os professores como seus autores decisivos e centrais. Mas para que “este sonho” se torne desejado e concretizado é preciso uma política que aposte no reforço estrutural da profissionalização dos professores nos contextos de trabalho (não entrando aqui na discussão do recente normativo dos créditos para exercer provisoriamente a docência) e abdique da tirania da desconfiança e do controlo, incentivando o pensamento divergente, a capacidade de procurar as respostas adequadas às pessoas e aos contextos. E perceba que o erro faz parte de uma contínua aprendizagem e desenvolvimento organizacional e profissional.
2. Rever os mecanismos de avaliação e progressão na carreira docente. Sendo as quotas de acesso ao 5.º e 7.º escalão uma medida administrativa, economicista e injusta e que institui uma lei da selva nefasta para o desenvolvimento profissional, é fundamental rever este dispositivo e encontrar formas congruentes de reconhecimento e promoção. Segundo os dados oficiais divulgados em agosto de 2022, somente 50% de docentes em condições de acesso ao 5.º escalão e 33% em condições de acesso ao 7.º escalão terão condições de êxito. O que quer dizer que a maioria dos professores continua a marcar passo no mesmo escalão da carreira.
3. Revalorizar (e reinventar) a profissão. Estas duas ações implicam uma revisão da carreira docente, um efetivo aumento da remuneração (que pode passar pela revisão das quotas, e uma melhoria das condições de trabalho (espaços, tempos, horários e recursos mobilizáveis para a ação pedagógica). Passa também, a nível organizacional, pela criação de condições para um trabalho mais colaborativo e interativo que ajude a enfrentar os problemas e os dilemas de uma profissão de alta complexidade. Uma profissão que se tem de entender como um serviço promotor da aprendizagem de todos os alunos, sobretudo dos que não querem aprender ou dos que têm dificuldade em interiorizar o currículo prescrito.
4. Incrementar a liberdade individual e colegial de empoderamento a partir do conhecimento. A escola é uma das sedes vitais de transmissão e construção dos múltiplos saberes. Mas terá de ser um conhecimento sensível, universal e local, atento às pessoas e às suas “zonas de desenvolvimento próximo”. Interessa-nos um conhecimento que ilumine e emancipe, que democratize as oportunidades de realização pessoal e social. Não nos interessa um conhecimento excludente e aristocrático que não está ao serviço da igualdade e da inclusão.
5. Pugnar para que a escola seja uma agência de desenvolvimento local. Para que faça parte de uma rede de comunicação, de construção de laços e reconhecimento. Lugar cognição e emoção. De convivialidade e desenvolvimento. De territorialização da educação. E esta linha de ação precisa de lideranças visionárias, distribuídas, servidoras e transformacionais.
6. Dinamizar a vida interna das escolas através de uma maior clarificação da missão e da visão de modo que sejam o mais possível partilhadas, maior articulação entre os diversos órgãos, incremento da comunicação e do diálogo entre todos os agentes educativos, construção efetiva de uma comunidade educativa atenta à diversidade onde todos têm vez e voz.
7. Last no least, como aqui já escrevi, precisamos de uma outra Lei orgânica do Ministério da Educação para que os serviços possam estar, de facto, ao serviço das escolas e dos professores. A atual lei já não serve (penso, aliás, que nunca serviu). Precisamos de um ordenamento mais articulado e integrado em que exista uma unidade estratégica da ação. E nem seria precisa uma grande alteração. Poderiam manter-se quase todas as direções-gerais existentes mas funcionando sob um outro paradigma de organização e ação (revendo necessariamente o estatuto do IAVE e ANQEP), como aprendi com a Lei Orgânica do ME de 1993 (Decreto-Lei n.° 133/93) e o exercício de funções de diretor-geral.
Em síntese, precisamos de colocar os professores e as escolas na primeira linha da ação política e social. Precisamos de uma reorganização da administração educativa que coloque efetivamente ao serviço das escolas e dos professores. Precisamos de ver e sentir as vantagens da liberdade de organizar outros cenários de aprendizagem e avaliação. Porque só deste modo servir os alunos e as famílias.
José Matias Alves
Fonte: Público
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