"Incomoda-nos bastante ser uma medida que está a ser implementada sem a participação das famílias. Acho que ninguém está por dentro do que se está a passar e isso é grave, porque estamos perante uma alteração substancial". Ana Cid Gonçalves, secretária-geral da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN), manifestou (...) o descontentamento que reina entre os pares. A Associação emitiu esta semana um comunicado em que contesta o Despacho n.º 6605-A/2021, de 6 de julho, que define os referenciais das várias dimensões do desenvolvimento curricular, incluindo a avaliação externa, "e revoga todos os programas e metas curriculares vigentes", considera a associação.
De acordo com esta entidade, que representa 16 mil famílias em todo o país, "a medida, tomada no início das férias escolares, não foi alvo de qualquer debate nem esclarecimento público, impondo-se unilateralmente apesar das muitas vozes dissonantes que imediatamente se levantaram por parte de várias entidades que representam professores e áreas de estudo".
Em causa está um despacho do gabinete do secretário de Estado Adjunto e da Educação, João Costa, que diz respeito às "aprendizagens Essenciais", definidas no "perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória". O despacho, que entrará em vigor no início do próximo ano letivo, estabelece como "únicos referenciais curriculares das várias dimensões do desenvolvimento curricular a seguir pelas escolas" três documentos curriculares: o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória; as Aprendizagens Essenciais; a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania e os perfis profissionais/referenciais de competência".
Entretanto, "são revogados os demais documentos curriculares relativos às disciplinas do ensino básico e do ensino secundário com aprendizagens essenciais definidas", no que os críticos desta medida qualificam como uma machadada no sistema de ensino público e um impulso à aceleração da degradação do mesmo.
Mas a APFN contesta não só o teor do despacho como também o timing. "Este procedimento, de adotar medidas disruptivas na educação em época estival, sempre no sentido de um rebaixamento da excelência da escola pública, já tinha sucedido com os diplomas que servem de base a este mesmo Despacho, reiterando um padrão pouco dialogante e autocrático da governação", refere o comunicado da direção.
Por outro lado, a associação entente que o despacho em causa " torna desatualizados milhares de livros editados, muitos deles já selecionados para o próximo ano letivo, com evidente transtorno para o início escolar e provável prejuízo para muitas famílias".
"Com a entrada em vigor deste Despacho, tememos seriamente que se institua na escola pública portuguesa o que já se apelida de "educação mínima", cavando o fosso entre quem pode pagar uma escola privada e quem não tem recursos para tal", sublinha a APFN.
"Não podemos deixar de lamentar a forma como este processo foi conduzido e apelamos para uma revisão, com possibilidade de reversão para um modelo de ensino de qualidade, que possa sustentar uma verdadeira igualdade de oportunidades a todas as crianças e jovens de Portugal", considera a secretária-geral da Associação, para quem "a medida está a ser tomada de forma unilateral, com a preocupação das principais associações do setor. A maioria está muito preocupada com todo o processo".
E por isso pede "uma discussão pública alargada com as instituições do setor, no sentido de incluir a participação neste processo. É preciso ouvir as pessoas e corrigir as preopcupações que têm vindo a público e que não têm tido acolhimento."
O que diz o Perfil do Aluno
O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória foi homologado através de um despacho governamental em julho de 2017. "Constitui o documento de referência que estabelece a matriz de princípios, valores e áreas de competências a que deve obedecer o desenvolvimento do currículo, conforme previsto no Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho".
O documento define "o sentido de missão de todo o sistema educativo, apresentando um caminho curricular através do qual todos os alunos devem, ao longo dos seus 12 anos de escolaridade, desenvolver uma cultura científica e artística de base humanista, alicerçada em múltiplas literacias, no raciocínio e na resolução de problemas, no pensamento crítico e criativo, entre outras dimensões".
Ao mesmo tempo, o regime jurídico da educação inclusiva, "prevê que sejam criadas condições para que todos os alunos aprendam, maximizando o seu potencial, que se reforce a sua participação na vida da escola e que se priorize a centralidade do acesso ao currículo na definição das políticas e opções educativas".
Fonte: DN por indicação de Livresco
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