Trabalhar com crianças todos os dias rima com lidar com aprendizagem diferencial todos os dias. Referimo-nos a aprendizagem diferencial em vez de dificuldades de aprendizagem porque somos todos diferentes e com estilos de aprendizagem diferentes, tendo a palavra dificuldade a conotação negativa que se quer evitar quando ensinar é o nosso mester. Neste campo, a área da aprendizagem diferencial em Matemática foi sempre de interesse. Talvez por experiência própria. Com uma mãe professora de Matemática e não sendo a Matemática o meu forte, ou assim pensava, não consigo deixar de me surpreender hoje em dia com a facilidade com que memorizo números, datas, códigos mais a rapidez na análise de dados e as conclusões tiradas à velocidade da luz diante de folhas de Excel sem fim. Por via dos bons genes maternos, ou será antes por intervenção divina como recompensa de noites sem fim diante de explicações sem fim depois de mais um “Satisfaz” e um “Satisfaz” nunca satisfaz?
A verdade é que ler números hoje em dia não é apenas fácil, é essencial para o desempenho de funções de coordenação na direcção de uma escola em Londres: os bons genes maternos, portanto. Mas voltemos ao nosso assunto: por ensino diferencial entenda-se crianças com discalculia. Discalculia?
Sim, discalculia, ou a dificuldade na memorização de números, no cálculo e no raciocínio lógico-matemático. Deste modo, crianças com discalculia apresentam muitas dificuldades na conversão de medidas como são exemplo o peso ou as distâncias, dificuldades com o conceito de tempo, incluindo dias de semana e a rapidez com que se esquecem dos dias da semana ou dos meses do ano, aniversários ou mesmo a data de nascimento. Para além disto, acrescentamos dificuldades em actividades do dia-a-dia como a realização de compras e o cálculo mental necessário para pagar produtos e efectuar um simples troco. A noção de tempo e a ciclópica tarefa de sair de casa a horas para chegar a horas à escola é isso mesmo, ciclópica, para não dizer impossível para desespero próprio mais o desespero dos pais destas crianças. Incapazes de desempenhar várias tarefas ao mesmo tempo num universo onde a organização e a lógica são afinal ramos da matemática, estas são crianças que se distraem facilmente, que se esquecem facilmente e que portanto são bem capazes de se perder de e para casa ou não fossem os transportes públicos regulados por números, rotas e tabelas. Porque as operações matemáticas básicas não são básicas. Porque não se sabe a tabuada de cor e desde quando 7×8 são 56 e, ainda mais importante, porque é que 7×8 são 56 e porque é que ninguém nos explica?
Ainda hoje, porque é que ninguém nos explica? E o que dizer do cálculo de percentagens num mundo onde os impostos são ainda tão certos como a morte mas onde ainda há tempo para promoções sem esquecer as estatísticas tão presentes nos telejornais de todos os dias?
A leitura de mapas e a orientação pelos pontos cardeais é igualmente um mistério da natureza dentro do qual se inclui a orientação dentro e entre localidades e assim se explica o porquê de nos perdermos nos percursos diários. Reconhecem algumas destas características no vosso dia-a-dia? Não é por acaso, a discalculia não é exclusiva das crianças e se nas mesmas está subdiagnosticada, o que dizer dos adultos?
Do ponto de vista neurológico, crê-se estar a discalculia associada a alterações no sulco infra-parietal e no córtex pré-frontal. Sendo o diagnóstico efectuado por Psicólogos Educacionais e testes neuropsicológicos, fica a pergunta: o que fazer e como ajudar o aluno com discalculia? Tendo vivido com matemática dentro e fora de casa, para ajudar o aluno com discalculia, mas igualmente todos os alunos, nada como mexer na matemática, pesar e medir a matemática através de modelos, blocos, figuras geométricas, jogos, exemplos. Nada como trazer os meses do ano e exemplos dos mesmos para a sala de aula enquanto se atribuem actividades e funções aos dias da semana e se divide o dia em horas entre relógios analógicos, digitais, em papel e em 3D.
Nada como trazer dados e dominós para a sala de aula de modo a promover o reconhecimento de padrões entre a adição e subtração.
Nada como deixar de lado as fichas de trabalho numa aula onde os desafios e jogos matemáticos devem ter a primazia. Porque o medo da matemática é o maior inimigo do aluno mas também do adulto de amanhã e cultivar o gosto pela matemática é vital.
A planificação de aulas onde cada tarefa é dividida em pequenas etapas e cada passo constantemente revisto reveste-se de igual importância, cabendo ao professor não só incentivar mas celebrar com o aluno cada aprendizagem e o atingir de cada objetivo.
O uso de exemplos de todos os dias bem como o uso de calculadoras, de aplicações para telemóveis ou ferramentas de conversão são instrumentos igualmente relevantes e, ainda mais importante, disponíveis na era digital.
Mas, tal como referi anteriormente, para tudo isto é preciso que a criança, e com a criança o adulto, entre na sala de aula.
Porque a matemática não é, nem pode ser, um bicho-papão. Porque a ansiedade e o medo de falhar só se vão embora quando o professor, e com o professor os pais e com os pais a família, está presente, todo ele apoio e sem juízos de valor. Porque a auto-estima, ou a falta dela, anda connosco de mão dada para a vida. Na matemática, mas também nas restantes disciplinas, dentro, mas também, e especialmente, fora da escola.
João Costa
Fonte: Blog De Ar Lindo
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