O professor de história, da Escola Básica de Santo Onofre, nas Caldas da Rainha, venceu a edição portuguesa do prémio que é considerado o “Nobel” da educação. Em entrevista ao Jornal Económico fala sobre os desafios da Educação em Portugal.
Candidatou-se a este prémio com que projeto?
A minha ideia é muito elementar. Eu não quero dar 15 boas aulas, o meu trabalho é garantir que possa assegurar uma boa qualidade ao longo de um ano inteiro e, portanto, aquilo que mais me interessa não é criar situações excecionais e projetos que excecionalmente me garantam um mês de boas aulas. O que eu preciso é de ter uma estratégia, uma forma de conduzir as minhas aulas de maneira a procurar atingir aquilo que inicialmente me parecia um tanto irrealista que é: ‘será que é possível atingir 100% da atenção dos meus alunos?’ Hoje tenho a absoluta convicção de que consigo garantir níveis de atenção dentro de uma sala de aula que são muito grandes, muito elevados. E, portanto, o projeto é essencialmente esse: uma soma de estratégias que eu fui colecionando ao fim de 30 anos de carreira e que me permitem garantir que os miúdos não entram para dentro de uma sala de aula para estarem parados a ouvir, como espectadores, de uma excelente aula que seja dada de uma forma irrepreensível. Isso com toda a honestidade já não me interessa nada. Um professor não é pago para ensinar, isto é um ponto essencial. Um professor é pago para garantir que os alunos aprendem.
Que estratégias ou técnicas é que utiliza para captar a atenção dos alunos com uma taxa tão elevada como disse há pouco?
A minha primeira técnica é perceber o privilégio que é ter 20 e tal miúdos às oito e tal da manhã com disponibilidade para me ouvir. É bom ter-se a noção que isto é um privilégio, não é nenhum emprego. Agora o que eu vejo é que essas técnicas envolvem, antes de mais, um enorme respeito pela pessoa que temos à nossa frente, não pelo aluno, é o facto de ele ser uma pessoa que nós temos à frente, que transporta a sua biografia. Eu acredito muito numa escola inclusiva, eu não posso dar aulas para 98% da turma ou 76% de uma turma, isso é impensável, não faz sentido. Tenho miúdos com 10/12 anos que estão absolutamente resignados à ideia de que nunca vão poder ser bons alunos, que isso é coisa para outros. O que é preciso fazer nesses casos? É, sobretudo, ouvi-los, ter a certeza absoluta de que aquilo que nós temos para fazer os transforma em participantes ativos daquilo que estamos a fazer. Um professor tem três funções: ele deve inspirar, desafiar os alunos e estabelecer a informação.
Pode-me dar um exemplo de um desafio que costuma lançar aos seus alunos?
Por exemplo, um desafio típico é o de pô-los a conversar uns com os outros e a responderem-me a perguntas que eles próprios fazem. A certa altura eu começo a excluir-me, eu como professor começo a invisibilizar-me e começo a desaparecer de cena. Se nós começarmos a colocar os alunos nesta posição tudo muda, as regras de jogo alteraram-se completamente. Nós temos muito medo do erro, e eu acho que as escolas devem cada vez mais, como as empresas de resto, cultivar a liberdade das pessoas poderem errar, porque só errando é que nós aceitamos a possibilidade de inovação. Na maior parte dos casos as pessoas que falam têm apenas a intenção de saber se aquilo que estão a dizer está a passar bem, não é isso que deve acontecer, o que deve acontecer é prepararmo-nos o melhor possível, dominar completamente os conteúdos que precisamos de apresentar, mas sobretudo, dirigir toda a nossa energia para saber se eles realmente estão a perceber.
É professor de História. Esta é uma disciplina muito difícil de inovar?
Não. Eu divirto-me imenso com os preconceitos e os estereótipos que se têm sobre a história e sobre os professores de história. História é, provavelmente, uma das disciplinas mais simples para se inovar. Eu não lhe vou dizer que o Napoleão afinal era austríaco, não é essa a função que nesta altura se coloca. O que nos interessa a nós como professores é garantir que a pessoa que nos ouve participa da construção desse próprio conhecimento. Se nós começarmos a perceber que as invasões napoleónicas têm uma influência fundamental na difusão, por exemplo, do liberalismo em Portugal, numa sociedade que era absolutista, isto está a converter-se rapidamente numa aula de história. Eu acredito num tipo de aprendizagem que é construído pela pessoa que está envolvida nesta questão. Utilizo, por exemplo, os chamados ‘copos semáforo’ em que todos têm três copos: um verde um amarelo e um vermelho. Se eles estiverem a compreender a matéria têm o copo verde a dizer-me que estão a compreender a matéria. Senão perceberam bem aquilo que eu disse, eles tiram o copo verde e põem o amarelo à frente. Se, por acaso, ele tiver mesmo uma pergunta põe o copo vermelho e aí paramos a aula. Vamos saber exatamente o que é que ele tem para perguntar, e quando ele finalmente pergunta, quem vai responder aquela pergunta não vou ser eu. Vão ser todos aqueles que têm um copo verde.
Que características deve possuir um docente para fazer a diferença?
A primeira coisa é ouvi-los. Eu acho que isso é um ponto essencial, é muito importante. Eu acho que nas duas primeiras aulas que tenho com os meus alunos eu não falo uma linha sobre História. Tenho muitos alunos que me dizem que as primeiras aulas são reveladoras de uma mudança muito grande, de uma atitude muito diferente em relação aquilo que habitualmente é o curso das aulas. Eu não imbecilizo os meus alunos, não os infantilizo, eu trato-os como as crianças que são. Não finjo que são adultos, mas lembro-me muito bem de ter a idade que eles têm. Acredito sinceramente que é fundamental existirem hierarquias dentro da forma como a aprendizagem é feita, mas não os imbecilizo. E isso é para eles muito óbvio e compreendem muito bem até onde podem ir.
O seu método de aprendizagem implica um conhecimento individual de cada um dos alunos?
Sim, absolutamente. Eu conheço os meus alunos fora daquilo que acontece dentro da sala de aula, não por estratégia, é porque tenho curiosidade. Interessa-me saber mais sobre eles. Eu aprendo muito com alguns alunos. Eu sei que isto soa muito fofinho, mas a verdade é que às vezes aparecem alunos completamente diferentes, e esses alunos completamente diferentes ajudam-me a tornar-me melhor pessoa e ajudam-me a tornar-me melhor professor. Não é por altruísmo nem por estratégia pedagógica. Eu gosto de saber que eles tocam tuba, que eles são atletas de voleibol, que fazem canoagem, tive até um campeão de tiro.
Há uma frase típica dos professores que é: “se não percebeste é porque não estavas atento”. Já há alguma vez disse isso a um aluno?
É a pergunta mais inútil que há. Perguntar a alguém se não percebeu é de uma inutilidade constrangedora. Em primeiro lugar nós temos de criar estratégias que garantem que os miúdos aprendem. Como é que nós fazemos isso? Garantindo que os miúdos nos vão mostrando ao longo dos processos de aprendizagem que estão a aprender e não porque nós lhes perguntamos isso. Faz-me lembrar quando eu andava na tropa, dizia-se muitas vezes assim estas frases feitas como por exemplo “não há duvidas nem pode haver”.
Em relação à sua profissão, quais são os principais problemas com que se debate no dia-a-dia?
Nesse sentido e não querendo fugir à sua pergunta, posso dizer-lhe que não é admissível que nós continuemos a pensar em escolas do século 21 e pessoas e alunos do século 21, e ter dificuldades a nível estrutural, quer seja a nível das redes, do próprio funcionamento das escolas, seja da própria lógica material com que as escolas são construídas. Não é possível dizermos a um aluno que aprenda dentro da sala de aula se está a temperaturas completamente abaixo de zero, não é aceitável. Como por exemplo não é aceitável que uma escola deva funcionar dentro de um sitio com muito trânsito e muito ruido.
Como é que se sente quando chega ao final do ano e algum dos seus alunos não consegue ter uma nota positiva?
Se nós formos consistentes, e se soubermos exatamente perceber o que é que esse aluno tem para nos dar, quais são as aptidões que tem, quais são as suas capacidades, se soubermos desvendar as suas capacidades, se soubermos alimentar essas suas capacidades, garanto-lhe que nós não vamos ter insucesso educativo.
Com esta distinção que recebeu, vai iniciar algum projeto educativo? Já começou a desenvolve-lo?
Sim. Mais uma vez, eu tenho muito interesse em devolver à minha comunidade aquilo que a minha comunidade me foi dando ao longo destes anos todos. Sou muito devedor da comunidade das Caldas da Rainha, que sempre me bafejou com a sua generosidade. portanto, neste momento estou a desenhar um projeto que poderá envolver muita gente nas Caldas e que poderá ser muito interessante.
Fonte: Jornal Económico por indicação de Livresco
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