No dia 10 de outubro assinalou-se o Dia Mundial da Saúde Mental. Lamentavelmente, o tema “suicídio” surgiu na comunicação social para informar que em Portugal se registou, em 2017, a taxa mais alta de mortalidade por suicídio entre os jovens com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos de idade dos últimos dez anos: foram 46 os que decidiram que não haveria motivo para viverem. Esta é a segunda causa de morte entre os jovens e, por isso, é um problema que deveria obrigatoriamente ser olhado como sendo de intervenção prioritária. Infelizmente não o é: assim o ilustra uma situação com que recentemente me confrontei.
Um adolescente na faixa etária mencionada foi encaminhado para acompanhamento psicológico. A avaliação realizada permitiu concluir que apresentava uma perturbação de foro depressivo. Este jovem apresentava um humor persistentemente triste, um desinteresse total em relação a tudo (“Acredito que a minha vida é desgraçada”, “Muitas vezes sinto-me morto por dentro”) e uma constante fadiga (“Sinto-me mais cansado que a maioria dos meninos que eu conheço”). Frequentemente apresentava-se apático e desmotivado face às diferentes tarefas quotidianas e um desinvestimento generalizado, que englobava as relações interpessoais e académicas (“Muitas vezes sinto-me só e perdido na escola”). Do trabalho realizado com este adolescente, era evidente a sua baixa autoestima (“Odeio o meu aspeto e o meu comportamento”, “Frequentemente sinto-me infeliz/triste/desgraçado”), ideação autodepreciativa, sentimentos de inutilidade e desesperança. O adolescente referiu que, desde os 7 anos de idade, lhe ocorrem com frequência pensamentos sobre a morte e o suicídio. Estes sintomas, segundo informações da família, arrastavam-se há já alguns anos.
No relatório elaborado para que fosse atendido urgentemente em pedopsiquiatria foi referido: “apresenta claramente um quadro depressivo, com ideação suicida e, por isso, precisa urgentemente de acompanhamento médico. Para além do acompanhamento referido, o aluno continuará a ser alvo de acompanhamento psicológico regular no contexto escolar.” A médica de família que rececionou o pedido de encaminhamento envolveu-se e compreendeu a gravidade da situação, tendo encaminhado a situação de imediato. Foram, no entanto, necessários sete meses para que este adolescente fosse atendido no serviço de pedopsiquiatria. Sete meses! Foi encaminhado em janeiro e só em agosto foi à consulta e iniciou a toma de medicação! Reforço as palavras do Dr. Fausto Amaro, presidente da Sociedade Portuguesa de Suicidologia, da qual sou membro, que afirma que o Estado falha pois “não consegue organizar bem o serviço de saúde mental nesta área”; é necessário “um serviço em que os jovens tenham rapidamente acesso”.
Efetivamente, este caso ilustra bem que os que não conseguem recorrer ao serviço privado ficam entregues ao seu destino. Por sorte, pelo meu envolvimento pessoal e profissional ( neste caso e pelo envolvimento ativo de alguns professores, o caso descrito não entrou para as estatísticas do suicídio!
Há já muito tempo que gostaria de ter denunciado esta situação. O Dia Mundial da Saúde Mental, o artigo do Jornal de Notícias “Taxa de suicídio entre jovens ao nível mais alto dos últimos dez anos” e a angústia que me acompanhou pelo tardio acompanhamento deste rapaz criaram o clima propício para esta denúncia.
Adriana Campos
Fonte: Educare
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