O ano letivo avizinhava-se tranquilo para professores e alunos, depois de as colocações do corpo docente das escolas terem sido publicadas com um mês de antecedência relativamente ao habitual. Ainda assim, não foi suficiente para garantir um arranque de aulas longe de dificuldades. Já lá vai mais de um mês desde que milhares de turmas de estudantes regressaram às salas, mas ainda há mais de duas mil sem professores atribuídos. O problema não é novo, mas "tende a agravar com o decorrer dos anos, caso não sejam implementadas soluções", explica o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel António Pereira. Garante que as escolas estão a fazer o possível, mas não tarda esgotam todos os recursos para solucionar o problema.
"É de lamentar que até ao momento uma turma de 5.º ano continue desde o início do ano letivo sem professor de uma disciplina como inglês, tendo em conta que este ano terá provas", conta Magda Marques, no Portal da Queixa. Um cenário familiar para Carla Belchior, que reclama na mesma plataforma: "Tenho um filho que está num curso profissional de Informática na Escola Secundária de Alcochete e, já tendo passado quase um mês desde o início das aulas, tem em falta cinco professores (de informática) num total de 11 disciplinas". Também há muito que Mariana Garzia vê o problema acontecer com as crianças da família, especificamente com a disciplina de geografia. "No ano passado, o meu filho esteve até abril sem professor. A minha sobrinha não teve aulas de geografia até janeiro", explica através do portal.
A disciplina de geografia é, inclusive, uma das mais afetadas pela escassez de professores contratados, ao lado de outras áreas como inglês e informática. Os dados, avançados pelo professor Arlindo Ferreira, autor de um blogue sobre educação, e publicados esta segunda-feira pelo Jornal de Notícias, mostram que há precisamente 2175 horários que ficaram sem qualquer colocado - a grande maioria (1775) horários incompletos (com menos de 20 horas letivas). Embora o Ministério da Educação diga que "não tem reporte de qualquer situação anómala ou de uma falta sistémica de docentes".
Outras tantas queixas têm chegado à caixa de correio do presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), que não contava que a escassez de professores fosse um problema "nesta altura do ano", "até porque as colocações decorreram mais cedo". Jorge Ascenção não sabe ao certo quantas reclamações e pedidos de esclarecimento recebeu, mas diz que pode parecer uma quantidade "irrelevante" quando comparado com "os milhares de professores colocados e alunos nas escolas". "Ainda assim, para nós, uma criança que esteja sem aulas, sem acesso à educação, é um caso preocupante", acrescenta.
Porque faltam professores?
Não só há falta de candidatos, em grande parte devido ao próprio envelhecimento da profissão, como aqueles que se mostram dispostos a candidatar-se optam por não o fazer em determinadas zonas do país por falta de meios financeiros para pagar elevadas rendas.
Por isso, é exatamente nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e do Algarve que o défice de professores é maior. "Estamos a falar de um problema que acontece maioritariamente em zonas urbanas com grande pressão demográfica e que é menos grave no norte do país, até de onde uma boa parte dos professores são provenientes", explica o dirigente da ANDE. Grande parte destes, são obrigados a deslocar-se para outras cidades do país, muitas vezes longe de casa e em zonas onde a especulação imobiliária é um problema da ordem do dia. "Aquilo que ganham nas escolas não compensa para pagar um quarto, alimentação e deslocações."
A capital é a cidade onde a habitação parece ser o maior entrave à contratação. Lisboa continua a ocupar um lugar de topo entre as cidades da Europa onde a disparidade entre o rendimento disponível e os valores das rendas está a aumentar de ano para ano, segundo um estudo divulgado neste ano pelo Deutsche Bank. De acordo com o relatório, um T2 que custava 645 euros em 2014 atualmente chega aos 917.
No Algarve, há até docentes deslocados para quem a única solução é viver em parques de campismo. Em entrevista ao DN, em agosto, a presidente do Sindicato Democrático de Professores do Sul (SDP Sul), Josefa Lopes, lembrava que este é um problema que "tem vindo a agudizar-se, devido ao volume do turismo na zona", que é também "cada vez menos sazonal". A falta de alternativas de alojamento, escassas ou a preços de turista, leva mesmo professores a desistir da vaga na qual foram colocados.
Mas o que acontece com os docentes de informática, uma das disciplinas mais deficitárias com o número de professores, é um caso à parte. "Temos de pensar que grande parte daqueles que estariam aptos para lecionar, formados em tecnologias, encontram outras soluções (carreiras) mais apetecíveis fora das escolas, o que faz com que não haja muitos professores em concurso para esta área", explica Manuel António Pereira. É acrescido a esta condição o facto de "várias escolas estarem a aumentar a carga horária para informática, o que torna necessária a existência de mais docentes".
Até quando pode durar e como solucionar?
Em casos "complexos", como este, em que existem milhares de alunos sem professores atribuídos e, por isso, com matérias em atraso, "o Ministério da Educação permite às escolas que paguem horas de acumulação a professores que as queiram fazer", explica o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). Contudo, "aquilo que os professores ganharão a mais por meia dúzia de horas acrescidas ao seu trabalho não compensa o esforço".
Assim sendo, a solução é recorrer à bolsa nacional de contratação. Todas as quartas-feiras de manhã são divulgadas as vagas disponibilizadas por cada escola e, na sexta-feira da mesma semana, os professores disponíveis para as preencher. A partir daqui, "os docentes têm 40 horas para se apresentarem na escola e caso não o façam ou não haja colocados o processo repete-se na semana seguinte", até que seja suprimida a falta de professores.
Em último caso, as escolas podem ainda abrir concurso através da 'oferta de escola', um concurso lançado pelo próprio estabelecimento de ensino, que tem autonomia para escolher quem segue para uma determinada vaga. "Tudo a correr bem, quando as escolas avançarem para este concurso, é bem possível que, a nível local, encontrem solução para o problema. Mas aqui corremos sempre o risco de pôr a ocupar a vaga recém-licenciados sem qualquer experiência, por exemplo. Tanto pode correr muito bem como pode correr mal", alerta o dirigente da associação. Contudo, a 'oferta de escola' só pode ser um recurso "a partir da terceira tentativa de colocação através da bolsa de contratação", o que "quer dizer que, durante o primeiro mês, se não houver professores disponíveis, a escola não pode fazer nada", acrescenta.
O sentimento perante o cenário atual é de impotência, sublinha o dirigente da Confap. "O que aconselhamos aos pais que nos procuram é que se associem a esta luta coletiva, para pressionar o pode local e nacional", diz. Jorge Ascenção acredita mesmo que as autarquias podem ter um papel revolucionário neste contexto, garantindo a qualidade de ensino para todos. "Porque o problema acontece nas escolas públicas e não privadas, porque a contratação é feita de forma diferente e a organização é distinta também. E nós não queremos que exista uma educação de primeira para quem pode pagar e de segunda ou terceira para quem não pode."
Também o representante da ANDE acredita no poder local como grande contribuidor nesta batalha, realçando o caso de Oeiras, cuja câmara disse estar a preparar-se para disponibilizar casas especificamente para a classe docente.
Fonte: DN
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