"A arte suprema do professor consiste em despertar o entusiasmo pela expressão criativa e pelo conhecimento." É a frase de Albert Einstein que os diretores da UNESCO, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da UNICEF e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) escolheram para assinalar o Dia Mundial do Professor, neste sábado, instituído pela UNESCO em 1994.
O lema internacional de 2019 é "Jovens professores: o futuro da profissão". Em Portugal, os vários sindicatos convocaram uma manifestação nacional, com partida às 14.30 do Marquês de Pombal, em Lisboa.
Alunos trabalham menos e aprendem mais
Quem entra na aula de Físico-Química de David Ferreira não estranha os alunos agarrados ao telemóvel, a jogar como sempre fazem. Mas estes são outros jogos, são para aprender. Ele próprio os inventou, para retirar trabalho a quem estuda e, com isso, conseguir que aprendam mais. Parece uma equação impossível, mas os resultados escolares mostram que é possível.
Chama-se a isso "aula integral", um conceito criado por David Ferreira há quatro anos. A toda está, agora, bem oleada, mas foram precisas muitas horas agarrado à internet e à matéria de Físico-Química, a explorar ferramentas como o Google Classroom, o Quizizz (responder a perguntas) ou o Kahoot! (testes de múltipla escolha). O resultado é um modelo inovador, em que a matéria é apreendida com mais facilidade e estudar tornou-se um divertimento, em vez do sacrifício. "Estou a tirar trabalho aos alunos garantindo que aprendam e, pela primeira vez, estou a conseguir isso", orgulha-se.
"Tentamos sempre que os alunos aprendam o máximo possível e, na maior parte das vezes, dizemos que têm de trabalhar mais. Da minha experiência, parece-me que há muita aversão à escola, que esta dá trabalho, que é um sacrifício. A minha ideia é que abdiquem da perceção de que é preciso fazer um grande sacrifício para se ter sucesso, fazer muitos TPC [trabalhos de casa], que até os pais estão contra. Na "aula integral" acabaram-se os TPC, tirou-se trabalho aos alunos e conseguiu-se que tenham bons resultados", explica David Ferreira.
Tem 46 anos, é professor há 23, e só agora conseguiu este modelo por existirem novas tecnologias. Sempre tentou desmontar a ideia de que aprender exige muito esforço. Criou manuais de apoio escolares para facilitar o trabalho dos alunos, mas tinham de os ler e fazer exercícios. Dez anos depois, conseguiu "retirar o trabalho e garantir altos padrões de aprendizagem".
A fórmula assenta em três campos essenciais: uma rede de professores e alunos, a sala de aula e os jogos
Criou uma espécie de rede social (Google Classroom) com os alunos, o que permite um contacto exclusivo com as suas turmas, com notificações via telemóvel sempre que é colocado um jogo na linha, dos alunos a expor as suas dúvidas, etc.
A sala de aula é o segundo elemento, que o professor Ferreira caracteriza como "obra de arte". Explica: "Esta é a parte mais exigente porque estamos a falar em ligar os conceitos que ensinamos às situações do dia-a-dia. Tudo o que os alunos precisam de estudar está na aula e tenho de assegurar que não há alunos entediados, o que é sempre complicado numa sala com 30 alunos. E não abdicamos das tecnologias, usam o telemóvel para procurar o que eu digo, uma das premissas essenciais é que são responsáveis pela sua aprendizagem." Não precisam de tomar apontamentos ou de fazer exercícios.
Terminada a componente letiva, não há trabalhos para casa. Em vez disso, têm jogos de aprendizagem, fase a que David Ferreira chama de "gamificação". "Muito daquilo que anteriormente se chamava TPC são quizzes, textos formativos. Os alunos resolvem os jogos competindo uns com os outros e, enquanto jogam no telemóvel, aprendem físico-química. Os jogos vieram substituir as fichas."
Os exercícios são apresentados como dificuldades a superar para subir de nível, podem tentar várias vezes até chegar à resposta certa, sabem em que lugar estão durante a competição, etc. "Embora eu passe a mensagem de que o objetivo não é ficar em primeiro mas aprender", sublinha o docente. E, nas aulas, têm de estar com atenção para responder aos quizzes.
O professor tem a perceção em tempo real da dificuldade dos alunos para resolver um problema, o que lhe permite introduzir bonificações a meio do jogo para os incentivar.
Tanto podem jogar no telemóvel como num computador, em casa ou na biblioteca escolar, algo que se revelou ser desnecessário, já que todos os alunos têm telemóvel com internet. Alunos e pais estão satisfeitos com o processo e há colegas que lhe pediram alguns dos seus jogos.
Os alunos têm um quizz por dia para resolver, 20 a 30 perguntas com quatro respostas possíveis e que demoram 10 a 15 minutos a resolver. O prazo termina na sexta-feira de cada semana.
As aulas começaram há três semanas e cada um dos seus alunos já resolveu 150 exercícios. Em todo o ano letivo do ano passado, 120 alunos fizeram mais de um milhão de exercícios.
David Ferreira é professor na Escola Alcaides de Faria e no Colégio Didalvi, em Barcelos.
No ano letivo 2018-2019, os seus alunos do 8.º ano (68) tiveram uma classificação média de 4,2, valores (0 a 5), houve 2,9% de negativas. No 11.º (51 alunos), a média interna foi de 16,9 valores e, no exame nacional, 12,6. Desceram 4,3 pontos, uma descida idêntica à nacional, só que a média do país foi 10.
"Depois de apanharem este envolvimento, tornam-se bons alunos em todas as disciplinas. Começam a encarar o estudo de forma diferente, mas todo o processo passa por explicar aos alunos qual é o objetivo", sublinha David Ferreira.
Projeto do aluno é o do professor
"Motivar", para Margarida Graça, significa "perceber qual é o projeto do aluno". Professora de Matemática há 40 anos, nos últimos anos só com as turmas do 12.º ano da Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Lisboa, atividade que acumulava com aulas e investigação no ensino superior. Não sabe quantos alunos seus tiveram 20 no exame, brinca que tem uma lista de médicos a quem poderá recorrer se tiver doente (não precisará porque o marido é médico), também muitos engenheiros de aeroespacial, as áreas com notas altas de entrada na faculdade.
"Não é fácil conseguir esses 20, mas há aqui um plano. Gosto muito de dar o 12.º ano e é importante para a vida deles. O principal é perceber qual é o projeto que têm e é importante que o professor entre no projeto do aluno. Quando o projeto é entrar no Técnico ou em Medicina, por exemplo, esse é o meu projeto e há que trabalhar para isso", explica Margarida Graça.
Sublinha que o mais importante é a aprendizagem, saber matemática, "agora os exames são muito importantes para os alunos, para a família, para o seu percurso de vida". E "faz-se tudo para que isso aconteça".
No 12.º ano, há matérias dadas nos 10.º e 11.º anos que podem não estar consolidadas. O primeiro passo é estabelecer um plano de recuperação que, entre outros procedimentos, passa por aulas extra, mesmo quando não existiam aulas de apoio no secundário. E ninguém se queixa da carga horária.
"Gosto de dar aulas e considero isto um desafio, pegar num aluno com dificuldades e conseguir que recupere. Tinha um aluno com algumas dificuldades e eu valorizava as pequenas aprendizagens. Quando pressentia que ele sabia uma coisa, perguntava-lhe diretamente, e valorizava. Chegou ao exame e teve um 14, não foi uma nota boa mas considerei-a um 20, foi muito bom", conta.
O facto de a Matemática ser o bicho-papão no ensino, para Margarida não passa de "uma representação social. "O importante é que se perceba os conceitos, se não sabem temos de os recuperar para avançar. É uma questão de estratégia de sala de aula, de metodologia e de organização. Mesmo os alunos mais fracos têm de estar motivados para melhorar", defende.
Margarida Graça reformou-se recentemente do secundário, para fazer outros trabalhos, nomeadamente no ensino superior e na investigação. Colabora com a Universidade de Burgos e continua a apoiar os alunos que lhe pedem ajuda, alguns filhos de antigos alunos.
Sublinha que outro fator importante é o professor sentir-se motivado e capacitado. Fez uma licenciatura na área científica e outra na educacional, o mestrado também nas duas áreas, e o doutoramento foi um misto das duas, este em 2003. De tal forma são importantes os milhares de alunos que lhe passaram pelas mãos ao longo de 40 anos de ensino, que lhes dedicou a tese de doutoramento.
Respirar para poder parar
Sabino Soares, 46 anos, professor de Educação Física, dá aulas há 23 anos, a crianças que vão do pré-escolar ao 9.º ano, na Escola Básica n.º 6 de Olhão (Agrupamento de Escolas João da Rosa). Foi mobilizado neste ano para a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Olhão (CPCJO), o que se deve ao trabalho que desenvolveu na sala de aulas. Introduziu práticas de mindfulness (perceber o corpo, as emoções), yoga e outras ferramentas na área socioemocional, técnicas de respiração e de concentração para aprenderem a lidar com o quotidiano.
"É importante ter um espaço em que os alunos se sintam à vontade, levá-los a respirar, a sentir as emoções, a identificar o que estão a sentir e a perceber que não podem reagir perante uma contrariedade, aprender que podem parar. É dar nomes às emoções, perceber que existem diferentes emoções e aprender a geri-las. Trabalhamos muito com autoimagem, autoconfiança, a desenvolver a atenção", explica Sabino Soares.
Além da formação específica para dar aulas de Educação Física, o professor tem formação na área socioemocional. Em 2011, quando regressei à escola depois de uma passagem de dez anos pela Universidade do Algarve, resolveu introduzir algumas das técnicas que aprendeu. A sua escola fica no Bairro dos Pescadores, em Olhão, e é alimentada pelos miúdos dos bairros sociais em redor, uma zona em termos sociais bastante difícil, informa. A título de exemplo, diga-se que a CPCJ de Olhão é a que tem mais processos comparativamente à população.
Sabino Soares é professor de Expressão Físico-Motora e é na área projeto que promove sessões para trabalhar as emoções com os alunos. São cerca de 200 alunos, numa iniciativa a que deram nome de Amigos de Coubertin, em homenagem ao fundador dos Jogos Olímpicos da era moderna.
Foram muito bem aceites, tanto pelos alunos como pelos pais, de tal forma que as suas experiências resultaram no livro Stop! Respira! Decide!.
"Além de os meus colegas notarem que os alunos estavam a ficar diferentes, alguns aprenderam algumas técnicas comigo para as introduzir nas suas aulas. Tivemos uma grande redução de casos de indisciplina e de participações na escola. Houve, até, uma melhoria das notas e de alguns alunos que se julgavam perdidos. E, entre eles, houve menos atritos, menos confusão, menos lutas, menor agressividade", conta.
Sabino está, agora, na CPCJ, tendo-lhe chegado relatos de que houve alguma reversão do sentido, mas o objetivo do professor é conseguir que a Câmara de Olhão introduza mindfulness e as outras as ferramentas que usa em todas as escolas do concelho, desde o pré-escolar ao 9.º ano.
"Esse seria o meu sonho, já me reuni com os responsáveis da câmara, que se mostrarem abertos, mas entre estarem abertos e tomarem uma decisão vai um longo caminho. Neste momento, o meu objetivo é trabalhar com as famílias e, como estudei várias áreas, há uma maior sensibilidade para explorar o que se passa na família, em conjunto com a criança."
Solidariedade e voluntariado
Ilda Lima, professora de Educação Física na Escola Básica D. Pedro IV, Mindelo, em Vila do Conde, tem motivado os alunos através de ações de voluntariado e de solidariedade. Criou o clube Dar e Receber há dez anos, projeto que cresceu e se alargou às outras escolas do seu agrupamento. Tem 54 anos e 29 de docência.
"O clube surgiu no âmbito da área projeto. Houve várias propostas e um dos temas era solidariedade e voluntariado. Naquele ano não funcionou e, no ano seguinte, propus a criação do clube, que começou apenas com a componente de voluntariado. Cada aluno, professor ou auxiliar dava 50 minutos do seu tempo à escola. Acabou por se alargar a campanhas de solidariedade e às 21 escolas do agrupamento. Os alunos estão envolvidos com a escola e sempre disponíveis para ajudar", explica a professora.
O voluntariado é semanal e envolve trabalhos em prole da escola e da comunidade, por exemplo, estar na biblioteca, limpar a escola ou visitar o centro de dia paroquial do Mindelo. As campanhas são mensais e cada uma das 21 escolas envolvidas decide em qual participar. Acaba por participar toda a comunidade escolar e as próprias famílias.
A primeira campanha deste ano letivo é a angariação de material escolar para Moçambique, através da associação Helpo. A próxima insere-se no espírito natalício, consistindo em presentes para os sem-abrigo. São caixas de sapatos decoradas, com artigos de higiene, luvas, cachecóis, alcançando já 300 presentes, o dobro do que lhes foi pedido. Mas, agora, até as famílias estão envolvidas.
Fonte: DN
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