O Agrupamento de Escolas Eugénio de Andrade é uma referência do ensino bilingue de alunos surdos na Área Metropolitana no Porto. Aqui todos os alunos têm aulas de Língua Gestual Portuguesa. Mas nem tudo são rosas: o agrupamento passa por dificuldades quer ao nível do transporte de alunos quer no número de funcionários.
Crianças a brincar, a saltar e a rir enquanto apanham folhas e correm umas atrás das outras ao ar livre é um cenário normal em qualquer escola. Contudo, esta não é uma escola qualquer, nem este é um grupo de crianças qualquer. A brincar em conjunto, estão alunos surdos e ouvintes, tão bem integrados uns com os outros, que se torna difícil distingui-los.
Estas crianças brincam na Escola Básica Eugénio de Andrade, uma escola inserida num agrupamento que “é muito diferente”. “Proporcionamos ao máximo um ambiente de integração, onde todos os alunos brincam em conjunto”, sublinha Maria José Couto, presidente do Conselho Geral, em entrevista ao JPN durante uma visita às instalações, em Paranhos.
O agrupamento, formado por quatro escolas básicas – o JPN esteve em três delas – é uma referência a nível nacional, com o estatuto de escola de referência para o ensino bilingue de alunos surdos desde 2008. No seu conjunto, o agrupamento tem cerca de 170 os alunos com necessidades educativas especiais, da qual fazem parte 80 alunos com deficiências auditivas.
Na Área Metropolitana do Porto, o agrupamento é o único de referência ao nível do ensino pré-escolar e básico.
Língua Gestual para todos
Com a ajuda de uma intérprete, falamos com Filipe, um aluno surdo da Escola Básica Eugénio de Andrade, outra das escolas do agrupamento, e que frequenta o nono ano. Está neste agrupamento há quatro anos.
“Eu nasci surdo, e tal como eu, a minha família também é surda. Antes de vir para esta escola, estava numa de alunos ouvintes, mas acharam que eu não estava corretamente integrado e consideraram que eu devia ir para uma escola onde pudesse conviver com outros alunos surdos”, conta ao JPN. “Prefiro muito mais esta escola”, conclui.
De forma a também promover a integração, todos os alunos ouvintes do agrupamento têm aulas de Língua Gestual Portuguesa. “Estas aulas são uma oferta complementar do agrupamento. Começou no ano passado como uma AEC [Atividade de Enriquecimento Cultural] e este ano passou a fazer parte integrante do currículo”, explica Maria José Couto.
Os alunos dão parecer positivo à medida: “Eles adoram e facilita muito mais em termos de recreio e brincadeira”, disse uma das professoras do primeiro ciclo que preferiu não se identificar.
A docente acredita ainda que “esta aprendizagem é importante, porque eles mais tarde vão conviver com crianças surdas e é importante que aprendam a comunicar com eles. É pela integração”.
Esta foi uma proposta que também foi bem aceite pelos pais. “Os encarregados de educação acham tão importante o ensino da LGP que alguns também fazem questão de aprender. Fazemos por isso ações de formação para os pais ao longo do ano, em que os pais vêm aprender língua gestual”, adicionou a presidente do Conselho Geral.
As aulas
Ainda na Escola Básica Costa Cabral assistimos, num completo silêncio, a uma aula dada pela professora Andreia Vreia. A docente, que é surda, ensina aos alunos a forma de representação gestual de material escolar.
O agrupamento tem seis turmas bilingues. Nestas a Língua Gestual Portuguesa é a primeira língua e o português a segunda. Os estudantes com prótese ou implante são integrados nas restantes turmas, sendo o português, neste caso, a língua primordial.
As professoras salientam a importância dos intérpretes. Na Eugénio de Andrade, a docente de físico-química explica porquê com um exemplo: “Às vezes, é difícil ensinar, porque existem conceitos para os quais a língua gestual não tem tradução e que têm de ser soletradas letra a letra, como acontece, por exemplo, com a palavra ‘solubilidade’. Daí a importância das intérpretes”.
“Com mais recursos, fazíamos mais”
A presidente do Conselho Geral considera “muito importante investir neste ensino”. “Se tivéssemos mais recursos, ainda mais fazíamos. Só que os recursos são poucos. Os alunos surdos têm dificuldade de comunicação, mas quanto mais trabalharmos e mostrarmos que estamos disponíveis, mais positivamente eles reagem à situação”, sublinha Maria José Couto.
Também a professora Isabel, que encontramos na Escola Básica Augusto Lessa, aponta que é necessário investir, apesar de reconhecer vantagens nalguma concentração: “São necessários muitos recursos e é difícil conseguir ter professores de Língua Gestual Portuguesa, terapeutas da fala e intérpretes em todas a escolas, então procura-se concentrar os recursos. Os alunos só têm é de sair da sua área de residência”, disse a docente.
70 alunos em casa por falta de transportes
Apesar das aulas terem começado em setembro, são 70 os alunos surdos que neste momento não têm possibilidade de ir à escola, devido à falta de transportes. A presidente do Conselho Geral explicou ao JPN que há “crianças de Oliveira de Azeméis, Santa Maria da Feira, Maia, Gondomar e Ponte de Lima, que necessitam de transportes” para se deslocarem até à escola.
O concurso para a contratação do transporte pelo Ministério da Educação teve início no dia 13 de setembro quando, “deveria ter começado no dia 13 de julho. Desde essa data que as rotas estão instituídas e o Governo tem em seu poder os dados, para nos autorizar a abrir concurso”, acusa Maria José Couto.
A presidente do Conselho Geral estima que antes do dia 13 de outubro será impossível que as crianças já tenham o transporte disponível. Acrescenta ainda que “existe sempre a possibilidade de que o concurso se possa prolongar por mais tempo”.
Por fim, conclui: “Para resolver este problema mais cedo, a autorização ministerial apenas deveria ter vindo mais cedo“.
A falta de funcionários
Para além do problema com os transportes, a escola enfrenta ainda um outro problema, comum aliás a outros agrupamentos de escolas do país: a falta de funcionários.
O rácio de auxiliares que é atribuído às escolas é feito em função do número de alunos. Mas a grande afluência de alunos com necessidades educativas especiais, significa também uma maior necessidade de recursos humanos, que não é satisfeita pelo Governo, de acordo com a responsável.
“Temos grandes dificuldades em colmatar o pessoal, porque o nosso rácio é exatamente igual ao rácio das outras escolas. O nosso teria de ser diferente porque a maioria dos agrupamentos tem cerca de 1.3% a 1.5% de alunos com necessidades educativas e nós temos 20%, e um aluno com necessidade tem mais exigência que o aluno normal”, explicou.
A presidente do Conselho Geral termina com uma valorização deste tipo de ensino inclusivo. Neste momento, este ensino tem o apoio da legislação, especificamente com o Decreto-Lei nº 54/2018, que segundo a Maria José Couto, “está muito bem formulado tanto a nível filosófico como académico”.
“É preciso mudar as mentalidades e perceber que a diferença não é significado de inferioridade. O facto de darmos a esta criança uma folha e a outra duas folhas, não significa que estamos a tratá-las de forma diferente, mas sim a fazê-las perceber que precisam de recursos diferentes para chegarem ao mesmo ponto. A diferença está aqui. Temos que dar de forma diferente, mas exigir que eles cheguem ao mesmo nível”, rematou a responsável.
Fonte: JPN
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