quinta-feira, 9 de maio de 2019

Mitos e realidades da profissão docente

Do muito que se escreveu e disse sobre os professores nos últimos dias, há uma conclusão evidente: vista do exterior, a realidade da profissão continua a ser mal conhecida. E há quem tire partido dessa ignorância. Este texto é o modesto contributo de um professor para o esclarecimento de alguns dos falsos mitos que rodeiam a profissão.

Os professores ganham muito. Uma frase feita em que, de tanto repetida, se corre o risco de acreditar. Abundam até os estudos e as comparações feitos com valores intencionalmente distorcidos e manipulados. Não sei se salários que rondam os mil euros líquidos no início da carreira e cerca de dois mil no topo – onde ainda poucos chegaram – se podem considerar elevados. Julgo que não: pagar menos tornaria a carreira docente ainda menos atractiva do que já é. E o topo, que alguns acham inflacionado, é o resultado de uma carreira demasiado longa, com muitos escalões e barreiras à progressão. Mas esta estrutura de carreira nunca foi pretendida pelos professores. Foi imposta à classe por uma ministra autoritária, respaldada numa maioria absoluta.

São os professores perto do topo da carreira que mais beneficiariam com a recuperação do tempo. Li isto várias vezes nas redes sociais e ainda não percebi de onde veio a ideia. A medida não afecta os que estão no topo, que já não têm para onde progredir. Os que estão nos escalões imediatamente anteriores podem ter algum benefício na antecipação das progressões, mas de qualquer forma chegariam lá. Recuperar o tempo é sobretudo uma medida de justiça para com os professores que estão, com 20 e mais anos de serviço, nos escalões iniciais de uma carreira com dez, com entraves à progressão e que exige no mínimo 34 anos de serviço para chegar ao fim. E isto não se repercute apenas nos vencimentos. Sem recuperação do tempo de serviço, muitos dos actuais professores irão aposentar-se com pensões inferiores aos mil euros líquidos, ao fim de uma carreira de mais de 40 anos de descontos.

Os professores trabalham pouco. Esta é uma atoarda que nasce da confusão, por vezes mal intencionada, entre horário de trabalho do professor – que é de 35 horas – e horário lectivo – 25 horas no 1º ciclo e no pré-escolar, 22 horas nos restantes níveis de ensino. A que há que acrescentar a componente de estabelecimento – 2 a 3 tempos semanais em que os professores ficam adstritos a tarefas administrativas ou de coordenação pedagógica. Só as restantes 7 a 11 horas podem ser cumpridas fora da escola: são o tempo, escasso, destinado a preparar aulas, corrigir fichas e trabalhos dos alunos, fazer formação, etc. É fácil perceber que muitas vezes não chega: quando o trabalho aperta, é frequente os professores sacrificarem o tempo familiar e de lazer, cumprindo muito mais horas do que as que constam no seu “contrato”. Aparentemente, trabalham pouco, porque boa parte do seu trabalho é invisível: é fácil reparar no professor que, depois das aulas, descansa na esplanada. Mas ninguém o vê pela noite dentro, ou ao fim de semana, a trabalhar em casa.

Os alunos cada vez sabem menos. Os alunos portugueses são dos que mais têm progredido, de forma consistente, nas avaliações internacionais feitas ao longo das duas últimas décadas. Os últimos resultados disponíveis dos testes PISA, referentes a 2015, colocam Portugal alinhado com a média dos países da OCDE, ligeiramente à frente de países como a Espanha e a aproximar-se de países de referência, como a Finlândia. Os políticos gostam de justificar os progressos invocando o acerto e o sucesso das respectivas políticas. Mas estas, como sabemos, são muitas vezes erráticas e contraditórias, mudando a cada mudança de governo. Se procurarmos um factor que, mantendo-se estável ao longo do tempo, tenha influído positivamente na melhoria dos resultados, ele só pode ser o esforço e a dedicação dos professores e a qualidade do seu trabalho.

Não há razões para os professores se aposentarem mais cedo. A docência é, reconhecidamente, uma profissão desgastante. O alargamento da escolaridade obrigatória e as políticas de inclusão escolar multiplicaram as tarefas e exigências que se abatem sobre os professores, tornando a profissão bem mais exigente e extenuante do que foi num passado recente. A pressão que hoje é colocada sobre uma geração de professores em torno dos 50 anos, a maioria com 30 ou mais anos de serviço, é muito grande e está a traduzir-se num elevado número de baixas por doença. Entre elas, doenças físicas e mentais decorrentes do exercício da profissão. O ME evita divulgar números, mas calcula-se que perto de 10% dos professores colocados nas escolas se encontrem de baixa. Destas, cerca de metade corresponderão a baixas prolongadas. Com o envelhecimento continuado da classe, e sem medidas que o contrariem, a situação só se poderá agravar.

Olhando racionalmente o problema, deveria perceber-se que um incentivo moderado às aposentações antecipadas traria benefícios para todos. Aos professores mais desgastados, libertando-os para uma merecida reforma. Aos jovens, abrindo-lhes o acesso à profissão. Às escolas, proporcionando uma estrutura etária mais equilibrada e uma salutar convivência profissional entre gerações docentes, de forma a garantir a “passagem de testemunho”. Ao Estado, que desta forma substituiria professores mais caros e com horários lectivos mais reduzidos por outros mais jovens, mais produtivos e com uma carreira pela frente.

A profissão docente é uma profissão sem futuro. Eis um aparente paradoxo: tanta gente a referir os supostos “privilégios” da classe e afinal são cada vez menos os candidatos aos cursos superiores de formação de professores. Alguns destes não preenchem sequer todas as vagas existentes, outros conseguem-no apenas com a entrada de jovens que não tiveram lugar em escolhas mais aliciantes.

Querem saber a verdade? Dentro de uma década, ou talvez até antes, haverá falta de professores qualificados. A geração que predomina actualmente nas escolas começará nessa altura a aposentar-se em massa. Em poucos anos, cerca de metade dos actuais 100 mil professores dos quadros terão de ser substituídos. Nessa altura os professores habilitados e disponíveis não chegarão para as encomendas. Ser professor é, sim, uma profissão de futuro!…

António Duarte

Professor do ensino básico e secundário e autor do blogue Escola Portuguesa.

Fonte: Observador

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