quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

A Educação que nos trouxe aqui, leva-nos daqui?

Quando algum procedimento médico é mudado em função de um novo equipamento, de uma nova técnica ou de uma nova compreensão sobre a promoção da saúde ou do ataque à doença, isso nunca se chama de “moda”. É chamado de inovação, evolução, avanço. Mas quando em Educação se usa algum material ou alguma metodologia que antes não se usava, de imediato essa alteração é carimbada com o epíteto de “moda”. Denominar algo de moda, neste contexto, é uma forma de desvalorizar o que é diferente querendo significar que as motivações para a mudança não são efetivamente profundas, serão simplesmente “uma moda”. Moda é também algo que é inerentemente passageiro, volúvel e que, no longo prazo, fica até meio ridículo. Ainda hoje, dentro e fora do meio educativo, há quem classifique as mudanças de “modas” afirmando que “agora está na moda a Inclusão”, “a moda agora é usar muitos suportes audiovisuais”, etc. As pessoas que argumentam chamando moda às inovações educacionais têm certamente uma visão “intemporal” das práticas educativas. Isto é, pretenderiam que o que já foi moda se cristalizasse como permanente. Usando a metáfora do vestuário, seria como considerar que a maneira certa das pessoas se vestirem era no tempo do Marquês de Pombal e que a partir daí foram só asneiras, derivas, “modas” até termos chegado aos trajes de hoje. Darei um exemplo destas pessoas para quem a verdadeira moda era a do tempo do Marquês de Pombal: recentemente o partido de direita radical “Vox” ganhou doze lugares no parlamento da Autonomia da Andaluzia. Quando se quis saber o que é que este partido pensava sobre o que era preciso fazer em Educação, a resposta não tardou: “É preciso voltar a separar nas escolas rapazes e raparigas”. Em suma: vamos lá acabar com esta moda de misturar os géneros. Nem sei se falaram em que “elas” vestem rosa e “eles” de azul celeste…

Olhar as inovações em Educação como moda é uma estratégia – premeditada ou não – de as desvalorizar, de não as levar a sério e é sobretudo um ato de preguiça mental porque o carimbo de “moda” arruma as inovações na prateleira dos eventos sem sentido e que, portanto, seria uma perca de tempo tentar entender. É uma moda, e pronto.

Por outro lado, do lado da compreensão de procurar entender em lugar de simplesmente classificar, temos um enorme e multisecular esforço que a escola tem feito para – à semelhança da Medicina – encontrar as melhores soluções para educar pessoas sempre diferentes vivendo em sociedades diferentes. Quem se interessa por educação conhece a longa lista de grandes pedagogos, de grandes humanistas, de grandes professores que sempre procuraram trazer para a escola, para as salas de aula, formas de ensinar e de aprender que não fossem as simples e óbvias relações da escolástica. Devemos confessar que, apesar de todos estes esforços, os progressos não foram tão aparentes como se poderia esperar. O certo é que os sistemas educativos foram encorajados a evidenciar uma capacidade inusitada de resistir a pensamentos novos e a abordagens inabituais da aprendizagem e da inovação. Sabemos que nem todos e nem sempre, mas ainda hoje ficamos impressionados (bem impressionados) quando alguma escola usa por exemplo métodos ativos, atribui importância à opinião dos alunos, encontra metodologias que diferenciem as propostas curriculares, assume a importância da participação dos alunos sem que ninguém fique para trás. E tudo isto que nos parece “moderno” é, na verdade, conhecido e defendido há muitas e muitas dezenas de anos, não como “moda” mas como fruto de experiência, de reflexão e de ciência.

Talvez a Educação esteja agora a enfrentar um conjunto de desafios como nunca defrontou antes; já não desafios quantitativos de “chegar a toda a gente” ou de se reconstruir depois de uma guerra. A Educação defronta-se com uma premência de qualidade e de inovação que, a não serem respondidas, podem pôr a escola em perigo de vida. É legítimo perguntar se as escolas que ensinam como ainda hoje a maioria das escolas ensina podem continuar a ser úteis e imprescindíveis para ensinar quem aprende como os nossos alunos aprendem. Se pensarmos nos espaços, no tempo, na comunicação, no conhecimento, nas formas como se aprende, no que é preciso aprender, etc., teremos muita dificuldade em enquadrar estas novas necessidades nos caixilhos de uma escola “tradicional”.

Perante esta dificuldade existem múltiplas respostas. Recentemente o diretor de uma escola que tinha ficado em boa posição no inefável ranking atribuía o sucesso dos alunos à flexibilidade “zero” que tinha instituído na sua escola. Há pessoas que tentam resolver os desafios do futuro com soluções do passado. A escola portuguesa deu excelentes exemplos do contrário; de como conseguiu “acertar o passo” sobretudo durante a vigência da democracia. Mostrou que é possível acolher todos os alunos, melhorar a sua aprendizagem usando novas formas de entender, de se relacionar, novos meios de mediar e negociar a educação e a aprendizagem. A questão que se coloca daqui para a frente é o que é necessário fazer para que a escola continue a ser pertinente e sem ficar engessada em valores e práticas do passado. E pode-se perguntar porque vale a pena apostar na continuidade da escola? Pode-se responder que não existe no nosso horizonte nenhuma outra estrutura que permita o conhecimento do outro, a participação, a aprendizagem da cultura e da cidadania, a aprendizagem da interdependência como permite uma escola. Uma escola em que a inovação é uma opção séria e fundamentada, não uma moda. Uma escola que caminhando de olhos abertos para as mudanças sociais nos ajude a construir uma sociedade melhor do que a que presentemente temos. E às vezes até pensamos que nem seria difícil…

David Rodrigues

Conselheiro Nacional de Educação; Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial.

Fonte: Observador

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