Passaram 50 anos entre os bancos da escola de Coimbra e o estrado onde hoje leciona, na Faculdade de Motricidade Humana, e a pergunta subsiste: “A escola vai servir-me para quê?”. Quem questiona é Margarida Gaspar de Matos, Psicóloga Clínica e da Saúde, Professora catedrática na área de Disciplinar de Educação da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, em entrevista ao Educação Internacional.
Existe uma ideia errada do que é hoje a escola?
A escola não é um clube recreativo, é um local de trabalho. Mas isso não significa que se tenha apenas de penar. Porque é que não é um sítio minimamente gratificante e por que razão não há-de ser interessante aprender!? A escola tem de ser o local onde vale a pena aprender. A questão é precisamente essa.
Então, a escola que temos hoje em dia serve para quê?
Esse é um problema com muitos anos. Não é de agora. Já no meu tempo de aluna – e eu tive a experiência de ter sido a melhor aluna do liceu – subsistia a pergunta ‘isto vai servir-me para quê?’. O interessante eram as conversas com os amigos no intervalo, onde combinávamos o que íamos fazer à tarde e durante o fim de semana. Na substância, as coisas estão iguais. Mas, neste momento, a escola tem um trabalho acrescido. Na minha altura, em Coimbra, em 1968 ou 1969, quando a Escola Secundária D. Duarte abriu, as Escolas tinham uma elite no seio dos alunos, filhos da classe média e média-alta. Nas turmas havia cinco ou seis meninos com mais dificuldades económicas, que deviam ter sido identificados pelo professor do primeiro ciclo como alunos espetaculares – mas que, afinal, eram apenas mais espetaculares comparados com os colegas. Agora a escola tem de educar todos.
Quando a cultura da escola mudar era bom todos os anos haver um dia de debate em que, regularmente, a comunidade escolar refletisse sobre os problemas da Escola. Por exemplo, de manhã um grupo de professores, à tarde um grupo de alunos debatessem, criassem uma dinâmica para dizer o que é que tem de mudar, o que está a ser bom, o que está a ser mau. No ano seguinte voltava-se a reunir para ver o que foi feito desde o ano anterior. Isto criaria uma rotina de colaboração.
Analisar para participar?
Os miúdos dizem das duas, uma: ou não são ouvidos ou não há uma logística que permita que o que dizem sirva para alguma coisa. É uma questão de interpretação e eficácia do que é dito. Por exemplo, alguém visita a escola e coloca-se um menino a falar – isso não é participação. A participação dos jovens nos problemas da escola tem de ser um processo que parta da organização dos próprios jovens para se ver o que sai dali. Tem de ser uma coisa genuína e que verdadeiramente se consiga apanhar qual é a ideia dos miúdos em relação às coisas. Essas ideias depois devem ser aproveitadas, porque é importante que eles sintam que as coisas acontecem.
Sugere que se dê mais voz aos alunos?
Imagine-se as escolas que têm problemas de bullying, problemas de obesidade ou violência, poderiam ter um comité de alunos com representantes de todos os anos, que reúna e proponha coisas que venham a ser discutidas com o diretor da escola. Há escolas que conseguem fazer isto. E se há quem o faça, é porque é possível. E se há uma escola que siga este modelo, porque é que o Ministério da Educação não pega na ideia e a generaliza?
Há modelos de referência dentro dessa dinâmica de dar espaço ao aluno para comunicar?
As coisas funcionam muito bem na Finlândia, Canadá e Austrália. Estive na Austrália bastante tempo e tenho a noção de que a cultura desses países é diferente da portuguesa. Por vezes, o grande problema é que os programas não têm os mesmos resultados quando são replicados em Portugal ou noutros países, porque as realidades são distintas. Em suma, os programas das escolas não podem fugir à realidade do país.
O franchising de programas não resulta?
Devemos criar este tipo de programas ao nosso estilo. Sabemos fazer isso e temos muitas pessoas com vontade de o fazer, em Portugal, e com capacidade e boa relação com os miúdos. Mas estas coisas têm de ter princípio, meio e fim, e depois têm de ser sustentáveis. Temos 12 anos de ensino obrigatório, mas temos de o tornar num ensino de qualidade.
Como podemos tornar a Escola melhor?
Podemos analisar a Escola em função de vários componentes críticos. Começamos logo pelo que é uma escola: um espaço físico que tem os ‘senhores alunos’, os ‘senhores professores’ e a ‘senhora matéria’. E depois a escola insere-se numa comunidade – como diz o professor Carlos Caldeira, cada aluno traz atrás de si toda a sua família e comunidade.
Não podemos mudar o destino social das pessoas, mas podemos tentar ver até que ponto podemos tirar o máximo daquilo que temos. O que podemos fazer é pensar numa metodologia de abordagem e tentar que seja seguida pelas escolas, cada uma à sua maneira. E depois que se partilhem estudos de casos do que foi feito em cada uma delas. Mas qualquer que seja o cenário, o espaço físico da escola é uma coisa que deve ser preservada. Deve ser incutido aos alunos o cuidar da sua escola, o que por vezes não acontece, seja numa escola urbana, seja numa escola de província.
Há uma cultura de ensino em Portugal?
Há muitas, porque cada escola é uma cultura. Uma coisa é a cultura das pessoas: os nórdicos são diferentes… Cada escola reflete a cultura da zona e isso não é mau. Há uma estrutura para trabalhar, há que ver qual é a sua identidade. Os nossos miúdos muitas vezes são pouco responsabilizados pelas coisas e essa cultura de desresponsabilização não é boa para ninguém.
Acha que se deve responsabilizar os alunos?
Sim, mas uma responsabilização ligada à autonomia. Protegemos muito os mais novos e depois não os responsabilizamos. Temos que dar autonomia, mas depois devemos exigir responsabilidades.
Mas há escolas com uma boa cultura e resultados…
Sim, e isso acontece quando há um diretor que quer construir algo e que conta com o apoio de alguns professores que galvanizam os alunos. E estes acabam por crescer à volta deles. No entanto, esses professores têm de começar a ser reconhecidos e valorizados, caso contrário irão desistir. Porquê? Os professores estão cansados de não serem reconhecidos.
Fonte: Jornal Económico por indicação de Livresco
Sem comentários:
Enviar um comentário